Um mal imprevisível que se manifesta por 86 sintomas

Publicação: 08/10/2016 03:00

Rosa descobriu a esclerose múltipla há 15 anos, quando a doença passou a afetar seu trabalho  (Peu Ricardo/Esp. DP)
Rosa descobriu a esclerose múltipla há 15 anos, quando a doença passou a afetar seu trabalho

O mundo ao redor dança ao avesso, mas dentro do quarto de parede verdes a esperança prospera. É com uma lição aprendida outrora, no livro recomendado pela bibliotecária da escola primária, que Rosa Maria Oliveira se defende dos dias. Com dificuldade na fala, ela identifica a hora que precisa parar e tomar fôlego. Sem os movimentos do lado direito do corpo, reaprendeu a escrever. As fotos na parede aliviam a saudade dos filhos e da família. A porta sempre aberta de um dos quartos do lar geriátrico é para espantar a solidão. “É preciso jogar o jogo do contente, ver sempre o lado bom da vida”, explica a mulher de 61 anos com alma de Poliana (personagem sempre otimista criada pela escritora norte-americana Eleanor H. Porter) e diagnosticada com esclerose múltipla.

A doença acomete cerca de 15 indivíduos por 100 mil habitantes brasileiros e carrega entre as características o traço comum a tantas patologias autoimunes, não avisa quando vai “atacar” novamente. A esclerose múltipla, inflamatória, desmielinizante, degenerativa e crônica, acomete o sistema nervoso central. É caracterizada por eventos agudos, com inflamações, que desaparecem e reaparecem em intervalos de meses ou anos. “Até o momento em que o acúmulo de cicatrizes gera ação degenerativa e ocorre o agravamento progressivo”, afirma a neurologista clínica da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (Abem) Liliana Russo.

Imprevisível e vasta, a esclerose tem 86 sintomas. Os mais comuns são fadiga, tontura, perda de visão e o que chegou primeiro a Rosa: o desequilíbrio. Era fim da década de 1980, quando os passos começaram a se trocar. Rosa havia acabado de concluir um processo de separação e retornara ao Recife, após temporada em Goiás com dois filhos pequenos. Imaginou que seriam consequências psicológicas. Nenhum médicos fechou diagnóstico.

Vieram dormência, dores na coluna e rigidez muscular. A explicação chegou há 15 anos, quando a doença passou a interferir na rotina profissional e a forçou a se aposentar. O mais forte golpe veio há oito anos, quando um surto provocou a paralisia do lado direito do corpo, e o mais recente há cerca de quatro meses, quando ela passou a viver em um lar para idosos.

O dia a dia é resumido em atividades multidisciplinares, idas mensais ao hospital tomar medicamento injetável, palavras cruzadas e “lorotas com o povo para não encucar”. As raras vezes em que sai, volta cheia de guloseimas que guarda na gaveta do criado-mudo, herança familiar, assim como a cama, onde Rosa deita-se sempre para o mesmo lado. O dia seguinte é incógnita. De tudo o que pode vir, a incapacidade é aceita. A solidão jamais.