Cubano prioriza doente em vez de doença

Publicação: 10/03/2018 09:00

O sol caía quando o médico Arnolis Hernández, 44, foi surpreendido em seu primeiro dia de trabalho em Caracas, Venezuela. Um homem entrou na unidade de saúde pedindo ajuda, pois havia uma mulher em trabalho de parto nas proximidades. Os dois subiram em uma moto e foram a ela. Ao chegar, o cenário era adverso. Não havia energia elétrica nem instrumentação. Diante da paciente, que gritava de dor, Arnolis usou o farol da moto como iluminação, pegou uma faca e iniciou o procedimento. Com o jaleco, limpou o bebê e, com o cadarço do tênis, cortou o cordão umbilical.

É para uma consulta com esse profissional que os pacientes da Unidade Básica de Saúde Dom Helder Camara, no Janga, em Paulista, disputam as senhas todas as manhãs. Formado há 21 anos, na cidade de Holguín, Cuba, Arnolis vem restaurando um desejo abandonado pela população do entorno da UBS: procurar o médico. O motivo é simples. Ele é atencioso com os pacientes. “Se são distribuídas 12 fichas, por exemplo, o doutor atende, às vezes, o dobro. A gente é que precisa apressar ele”, conta uma funcionária.

Arnolis aprendeu ainda na graduação a importância de olhar o doente e não a doença. Chegou ao Brasil dentro do programa Mais Médicos, sem saber quase nada de português, após só um mês de aula. Estudou muito a língua, mas diz que o idioma nunca foi empecilho. “A linguagem da medicina é universal. Tem que olhar, chamar o paciente pelo nome, saber a idade dele, a origem. Sentir como se sentisse a doença dele”, reflete, hoje já com o português fluente.

Recife tem 16 médicos estrangeiros pelo programa. Em Olinda, são três. Arnolis segue no Mais Médicos, mas agora com registro local. Ele cumpriu a missão, voltou a Cuba, assinou os documentos e regressou ao Brasil, onde revalidou o diploma e tirou o registro no Cremepe. Foi chamado para atuar no Janga e no primeiro dia de serviço decidiu caminhar pelo bairro com os agentes. Queria conhecer a realidade local. Para atuar no Mais Médicos, precisou abdicar de um salário maior em um hospital privado. “As pessoas aqui são mais pobres, têm mais dificuldade de acesso, precisam do médico”, justifica ele, que não usa celular enquanto trabalha e tem até horário estabelecido para ir ao banheiro. A população agradece e retribui fazendo filas.

“Ele passa muita segurança e está sempre disponível. Já aconteceu de eu estar no hospital e ele ir correndo para lá. De ele estar em viagem fora do país e, mesmo assim, me ligar”
Cecília Chaves, sobre o pediatra Otelo Schwambach Ferreira  

“O médico não pode se impor ao paciente. É preciso deixar ele falar, trocar experiência e negociar. A gente consegue mudar a realidade local e se sente útil”
Maria Nepomuceno, médica da família