A guardiã de toda a comunidade Médica dos moradores da Macaxeira, Fátima Nepomuceno coleciona vitórias na promoção da saúde pública

Publicação: 10/03/2018 09:00

“Doutora gostosinha”, grita uma mulher. Fátima Nepomuceno, 62, acena com um sorriso largo e responde com alegria. Para e joga alguns minutos de conversa. Tudo natural como um encontro de vizinhos. Mas Fátima mora a 15 km dali. A intimidade que mantém com os moradores da Macaxeira, bairro de 20 mil habitantes, é construída no espaço de uma consulta. Ela é médica de família e comunidade, especialidade capacitada a resolver até 90% dos casos de adoecimento da população e que está baseada em uma premissa: enxergar o ser humano em sua integralidade e individualidade.

A especialidade se sustenta num novo paradigma de método clínico, que transfere o foco da doença ao indivíduo, trazendo à tona a experiência de compartilhar decisões. Na contramão da lógica da superespecialização. “O médico não é dono do corpo de ninguém. Ele orienta à luz de evidências científicas”, explica a presidente da Associação Pernambucana de Medicina de Família e Comunidade, Tássia Carneiro. “O vínculo é fundamental, pois o paciente passa a ser parceiro do equipamento de saúde”, complementa a gerente-geral da Atenção Básica do Recife, Ana Sofia Costa.

A missão do profissional é reconhecer o poder da cultura, da família e do contexto social no processo de adoecimento e cuidado. Para isso, a eficiência está na atenção. “A gente não pode se impor ao paciente, é preciso deixar ele falar, trocar experiência e negociar”, conta Fátima Nepomuceno. Há 14 anos na Macaxeira, ela conhece 70% dos atendidos pelo nome. Consegue adesão a tratamentos de hipetensão e diabetes, e ajuda a manter baixas as taxas de AVC e mortalidade infantil. “A gente consegue mudar uma realidade de uma comunidade, se sente útil”, diz, deixando escapar lágrimas.

Sem Fátima e a equipe, a artesã Betânia Lopes, 51, não sabe se a mãe de 91 estaria viva. “Não temos como ir ao posto, pois ela tem dificuldade de locomoção, então eles vêm à nossa casa”, diz. Pernambuco tem 84 médicos de família, 2% do total do Brasil, segundo o Conselho Federal de Medicina. Isso representa menos de 1% do total de especialistas do estado. Em todo o país, cerca de 2% dos médicos são especializados em família e comunidade. Em países como o Canadá, o percentual chega a 40%.

A especialidade segue sem a valorização necessária, do ponto de vista de Tássia Carneiro. “Falta um real investimento público e de expansão também da estratégia de saúde da família”, lembra. Pernambuco tem quatro programas de residência na área. “Nossa dificuldade é que a pessoa volte do encaminhamento para a média e alta complexidade com o histórico clínico. Ter o controle dessa história é determinante para nós”, lembra Ana Sofia.