Cuidando de gerações da mesma família Antigo conceito de médico familiar, que se perdeu gradativamente no Brasil, volta a ser valorizado como forma de aumentar a eficácia dos tratamentos

Publicação: 10/03/2018 09:00

Em uma sala do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), um material com a frase “procurei um médico e encontrei um amigo” chamou a atenção de uma mãe angustiada. A mulher, cujo filho estava em tratamento para difteria, virou-se para Otelo Schwambach Ferreira e disparou: “procurei um amigo e encontrei um médico”. A frase foi brutal. Naquele momento, o recém-titulado profissional percebeu que precisava deixar o tecnicismo de lado. Escolheu a humanização e  hoje, aos 72 anos, faz parte da história de gerações de famílias pernambucanas.

Otelo é pediatra, aprendeu ouvindo os ensinamentos de Fernando Figueira, que na unidade o rei é o paciente. Depois dele, a equipe de enfermagem. O médico é uma figura de passagem. Assim, ele tirou ainda ali as armaduras, sem dispensar a relevância do conhecimento. “O médico tem que estar disponível, atender o telefone, responder as perguntas, por mais simples que elas sejam. Interagir quantas vezes for preciso, esse é o segredo. Só assim se faz medicina”, garante.

Os médicos brasileiros pedem mais exames do que seus colegas de países desenvolvidos. Em dois anos, as solicitações de tomografia e ressonância cresceram 22%. Porém, entre 70% e 90% dos diagnósticos são dados com as informações fornecidas pelos pacientes ou acompanhantes no diálogo. Os exames devem ser subsidiários, ferramentas usadas na ausência de informações, alerta o presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, Antônio Carlos Lopes. Esse é justamente o trunfo dos médicos que acompanham gerações de uma mesma família, e que usam até o telefone para estreitar a relação com os pacientes.

“Quando há uma história de acompanhamento, muitos elementos que o profissional já conhece da família são aplicados ao paciente atendido”, ressalta Lopes. Entre os fatores que contribuíram para a quase extinção desse tipo de médico, na ótica dele, está a falta de condições dadas pelos SUS e pelos planos de saúde para gerar fidelidade, sobretudo ao condicionar o salário à quantidade de atendimentos. “Não dá para desenvolver uma relação com oito minutos de consulta. Um tempo razoável é de pelo menos 15 a 20 minutos”, lembra o médico de família Rodrigo Lima.

Paciente de Otelo desde o dia em que nasceu, a cake designer Cecília Chaves, 38, não pensou em outro nome para pediatra dos seus três filhos. “Ele passa muita segurança e está sempre disponível. Já aconteceu de eu estar no hospital e ele ir correndo para lá. De ele estar em viagem fora do país e mesmo assim me ligar”, lembra.

O resultado é tranquilidade para médico e paciente. “Quase nunca vou à emergência”, diz Cecília. “Ser médico de várias pessoas de uma mesma família te dá confiança, credibilidade e autoridade na conduta. É até mais simples de trabalhar”, conta Otelo, enquanto checa as mensagens que não param de chegar com pedidos de ajuda.

Direitos e deveres do médico, segundo o Código de Ética Médica

O médico não pode
  • Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, exceto em caso de risco de morte
  • Deixar de atender paciente em casos de urgência ou emergência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo
  • Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano
  • Opor-se à realização de junta médica ou segunda opinião solicitada pelo paciente ou por seu representante legal
  • Aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico-paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou de qualquer outra natureza
O médico pode
  • Ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional, renunciar ao atendimento, desde que comunique previamente ao paciente ou a seu representante legal
  • Recusar-se a trabalhar onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente
O que propõe o Estatuto dos Direitos do Paciente
  • O paciente tem o direito de indicar um representante em qualquer momento de seus cuidados em saúde
  • O paciente tem o direito de contar com um acompanhante em consultas e internações
  • O acompanhante do paciente tem o direito de fazer perguntas e de se certificar se os procedimentos de segurança do paciente estão sendo adotados
  • O paciente tem o direito de ser informado sobre a procedência dos insumos de saúde e medicamentos que lhes são destinados e de verificar, antes de recebê-los
  • O paciente tem o direito de não ser tratado com distinção baseados em raça, cor, religião, enfermidade, deficiência, orientação sexual ou identidade de gênero, origem nacional ou étnica e renda