Mais diálogo e decisões compartilhadas

Publicação: 10/03/2018 09:00

A engenheira de pesca Maria de Fátima Sá, 65, lembra-se do momento do diagóstico aos últimos dias de vida da irmã Maria Reneide de Sá. Um detalhe chama atenção. Com a mesma precisão que rememora cada acontecimento, ela retira, sem perceber, a formalidade com a qual os médicos costumam ser referidos. Para ela, Gustavo é apenas Gustavo. Isso é fruto da proximidade que a família estabeleceu durante o tratamento de câncer metastático de Reneide. Nesse tipo de tratamento, o vínculo médico-paciente é ainda mais determinante. Significa exercer o direito de escolher como terminar a própria vida.

Professora da Universidade Federal de Alagoas, Maria Reneide descobriu um câncer de mama no último ano do doutorado. Fez o tratamento e retomou a rotina. Quatro anos depois, foi internada com derrame pleural. Era a metástase. O cirurgião entrou na enfermaria e avisou a Maria de Fátima que sua irmã teria seis meses de vida. A engenheira procurou o oncologista da Oncoclínica Recife Gustavo Godoy. Começava assim um vínculo diferenciado.

Gustavo deu seu telefone a Fátima. O tratamento era uma partilha de decisões e conhecimentos. “Reneide começou a incentivá-lo a montar um grupo de pesquisa, e ele a chamou para participar. Foi uma injeção de ânimo”, lembra a engenheira. Reneide, que teve sua tese de doutorado na área de educação publicada em livro após sua morte, era chamada de professora por Gustavo, que pesquisava como médicos poderiam usar o diálogo como ferramenta para fazer o diagnóstico.

Com o apoio da paciente, ele criou o Suporte Avançado pela Qualidade de Vida em Oncologia (Salvo), alfabeto de necessidades e abordagens para cuidados paliativos. “O paciente precisa de dignidade e capacidade de decisão. Os cuidados são capazes de melhorar a qualidade de vida de pacientes e familiares, fazê-los viver mais tempo”, explica Gustavo.

Quando Reneide piorou, em janeiro de 2016, Fátima pediu que o médico não deixasse a irmã morrer na UTI. Seis anos depois de interromper um estudo que incluía a discussão sobre a autonomia do paciente, Gustavo acatou. “Ele me deu um abraço e me parabenizou pela escolha”, conta Fátima. A irmã morreu 10 dias depois, na enfermaria,  com a família. O estudo de Gustavo será transformado em livro, a ser publicado neste mês.