A nova relação entre médico e paciente Amplo acesso à informação empodera pacientes e gera necessidade de mudança na forma de atender

Alice de Souza
alice.souza@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 10/03/2018 09:00

Em tratamento de câncer há 12 anos, a corretora Maria de Fátima Pacheco, 61, faz questão de saber detalhes dos procedimentos aos quais vai se submeter, não tem medo de questionar os profissionais e preza pelo direito de decidir. Ela representa um novo perfil de paciente, que tem mudado a forma de se relacionar com profissionais de medicina. É  a essas pessoas que se voltam, cada vez mais, os olhos de startups de tecnologia que desenvolvem aplicativos voltados para a saúde. Também por causa desse novo paciente emerge a necessidade de rever as políticas voltadas aos direitos do paciente no Brasil.

No passado, explica a chefe da oncologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Cristiana Tavares, a medicina assumia uma postura paternalista, na qual o paciente não tinha poder de escolha. Mas essa forma de lidar mudou por diversos fatores, incluindo a crescente informação disponível, que empoderou a população e desmistificou a figura do médico como único detentor do saber. “As pessoas descobriram que o médico é falível, que às vezes age de acordo com outros interesses, como os econômicos. Isso faz com que elas se sintam na condição de confrontar”, afirma o diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade Rodrigo Lima.

Diante desse cenário, a tecnologia das máquinas entra em segundo plano. A medicina percebeu que, por mais avançado que seja o conhecimento técnico, a adesão e o sucesso dos tratamentos depende das relações humanas. Do elo estabelecido entre médico, equipe e paciente.

Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei para a criação do Estatuto dos Direitos do Paciente, que defende autodeterminação, ou seja, o respeito à vontade individual. Em setembro de 2017, a Sociedade Brasileira de Bioética defendeu o documento através da Carta Recife. “É fundamental trazer o paciente para perto, dar a notícia, confortar, orientar numa linguagem simples. E considerar sobretudo a autonomia dele”, afirma Cristiana Tavares.

Em todo o país, cerca de 70% dos processos éticos instaurados pelos conselhos de medicina são decorrentes do relacionamento inadequado. Em Pernambuco, em 2017, foram abertas 110 sindicâncias no Conselho Regional de Medicina por problemas de atendimento, conduta antiética, discriminação e assédio moral. Questões relativas ao atendimento provocaram 15% mais sindicâncias que o ano anterior. As condutas antiéticas, 12% mais.

“O médico não manda na minha vida. Três profissionais que procurei me decepcionaram por agirem como estrelas. O primeiro não identificou que uma mancha na minha coluna poderia ser decorrente do câncer. A segunda disse para a minha filha: ‘você quer ser médica? Tire o diploma’, porque a questionei. O terceiro me disse: ‘Não tenho mais nada a fazer com a senhora’. Foi horrível”, lembra Maria de Fátima.

No quarto oncologista, ela encontrou conforto. “Minha filha saiu do consultório espantada porque ele parecia uma pessoa normal. Me vi diante de um ser humano que me me enxergou. É como se ele tivesse me assumido.” Especialistas em bioética e direitos humanos sinalizam que agir assim é o único caminho possível na promoção da saúde.