O futuro no combate e tratamento da demência Inspirado pelo próprio filho, cientista mostra como os modelos computacionais podem ajudar a entender problemas como o mal de Alzheimer

Alice de Souza
alice.souza@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 21/04/2018 03:00

Uma questão de saúde a ser investigada profundamente nem sempre surge dos livros ou artigos disponíveis na literatura científica. Às vezes, está dentro de casa. A desordem genética do filho, que tem um erro inato de metabolismo (EIM), foi o ponto de partida para o desenvolvimento da tese de doutorado de Anthony Lins. Ao buscar como modelos computacionais poderiam facilitar o diagnóstico de EIM, o doutor em biotecnologia e coordenador do curso de Jogos Digitais da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) encontrou outro foco e desembocou numa apuração cujos resultados podem ajudar na mitigação do impacto da demência em idosos.

A pesquisa foi desenvolvida a partir de uma base de dados de 152 pacientes atendidos pelo Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), já previamente diagnosticados com declínio cognitivo ou demência (em seus diferentes graus). Desses pacientes, dentre os quais existia um grupo controle (sadio), foram extraídos dados socioculturais, além de resultados de quatro testes cognitivos que são aplicados durante a investigação para diagnóstico ou para medir a progressão da demência.

A primeira fase da pesquisa aplicou uma técnica simples de inteligência artificial, que simula o comportamento do neurônio humano com o objetivo de encontrar padrões e fazer a máquina aprender o que seriam pacientes com demência, declínio cognitivo ou sadios. Depois de fazer uma sequência de combinações estatísticas substanciais, foi verificado se o treinamento estava correto. Nessa fase, a média de acerto entre o que a máquina encontrou e os diagnósticos prévios dados por humanos foi de 97%.

Na segunda e na terceira etapas, a pesquisa visou ver a relevância de diversos fatores no processo diagnóstico. Dentre eles, o nível de escolaridade, a idade, o gênero, marcadores genéticos e ainda os diferentes testes cognitivos aplicados pelos médicos nos consultórios. Isso porque, dentre as demências, aquela que mais atinge a população é o mal de Alzheimer. Porém, é um diagnóstico que ainda acontece por exclusão e é multifatorial, só possível de ser confirmado com 100% de certeza depois da morte.

Nas últimas fases da pesquisa foram aplicadas três técnicas mais sofisticadas de aprendizagem de máquina, que fizeram uma série de cruzamentos entre os fatores para apontar a relevância de cada um deles. A partir disso, o estudo pôde inferir que os testes cognitivos (do tipo MEEM, CDR e AD8) têm grande influência no processo do diagnóstico, inclusive nas diferentes fases da progressão da demência.

“Concluímos que é possível inferir um início de tratamento baseado nos testes cognitivos, o que é um ganho sobretudo para populações que moram em regiões de interior ou pessoas de menor poder aquisitivo”, explica Anthony Lins. A pesquisa, desenvolvida no doutorado na Rede Nordeste de Biotecnologia (Renorbio), gerou um artigo, eleito um dos melhores publicados em 2017, na revista científica Computer Methods and Programs in BioMedicine Journal. A orientação foi dos professores da UPE Carmelo Bastos e Tereza Cartaxo. A meta agora é replicar o método para outras doenças e gerar uma ferramenta auxilie os médicos em clínica.

Tipificação

Alzheimer

É uma enfermidade incurável que se agrava ao longo do tempo, mas pode e deve ser tratada. Quase todas as suas vítimas são pessoas idosas. Talvez, por isso, a doença tenha ficado erroneamente conhecida como “esclerose” ou “caduquice”. A doença se apresenta como demência, ou perda de funções cognitivas (memória, orientação, atenção e linguagem), causada pela morte de células cerebrais.

Demência vascular

Pode ser considerada a segunda maior causa de demência. É ocasionada por lesões cerebrais de origem vascular e as manifestações clínicas dependem da localização e do número de lesões cerebrais. As lesões vasculares cerebrais podem ocorrer como infartos silenciosos, que não resultam em ataque reconhecido clinicamente, e como acidentes vasculares encefálicos, conhecidos popularmente como “derrame”.

Demência com corpos de Lewy
Causada pela presença de alterações cerebrais chamadas de corpos de Lewy. Os critérios para o diagnóstico clínico da doença incluem demência com sintomas da Doença de Parkinson (rigidez da musculatura, movimentos mais lentos; tremores são mais raros); alucinações visuais (ver coisas que não existem, geralmente pessoas, animais, objetos e crianças) e oscilação dos sintomas ao longo do dia.

Doença de Parkinson

Cerca de 40% dos pacientes podem evoluir para quadros demenciais. Para esse diagnóstico, é necessário que o quadro demencial ocorra após um ano do início do quadro da Doença de Parkinson. Se a demência ocorrer em menos de um ano após o início dos sinais de Parkinson, a hipótese clínica principal passa a ser de demência por corpos de Lewy.

Demência frontotemporal
Quadro caracterizado por deterioração na personalidade e cognição. A alteração no exame de neuroimagem é a redução  frontal e temporal do cérebro. As mudanças no comportamento são mais importantes.

Fonte: Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz)