Estudo investiga efeitos do zika a longo prazo Pesquisa confirma que infecção pode causar problemas posteriores, mesmo nas crianças que não têm microcefalia

Publicação: 09/06/2018 03:00

Uma equipe de cientistas liderada por quatro pesquisadoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desenvolveu um modelo de pesquisa em camundongos que permitirá estudar pela primeira vez os potenciais sintomas de longo prazo da infecção congênita pelo zika.

O novo estudo foi publicado na revista científica Science Translational Medicine e confirmou que a infecção por zika pode mesmo causar problemas posteriores, mesmo nas crianças que não nasceram com anomalias neurológicas mais graves como a microcefalia. A pesquisa também revelou que uma droga já aprovada para uso comercial mostrou eficácia contra alguns dos sintomas tardios da doença.

Estima-se que de 1% a 10% dos bebês infectados pelo vírus durante a gestação nascem com microcefalia, mas de acordo com os autores da nova pesquisa, as demais crianças, embora tenham nascido com cabeça de tamanho normal, desenvolveram mais tarde alguns dos sintomas associados ao zika, como perda de peso, déficit cognitivo e problemas de coordenação motora.

Mas os bebês nascidos durante a epidemia ainda têm menos de três anos de idade e, por isso, até agora não foi possível estudar o impacto de longo prazo da doença, de acordo com uma das autoras da nova pesquisa, a neurocientista Julia Clarke da Faculdade de Farmácia da UFRJ.

“Depois da epidemia no Brasil, falou-se muito de microcefalia, mas aos poucos foi ficando claro que essa é apenas uma das várias alterações que a zika pode causar nos bebês expostos ao vírus. Um pequeno número de crianças que nasceram com o perímetro encefálico normal foram examinadas mais tarde e apresentaram algumas dessas alterações, incluindo crises epiléticas”, comentou a neurocientista.

Além de Julia, formaram a equipe que liderou a pesquisa a neurocientista Cláudia Figueiredo e as virologistas Andrea Da Poian e Iranaia Assunção-Miranda, todas da UFRJ. A primeira autora do artigo é Isis Nem de Oliveira Souza, aluna de doutorado sob a orientação de Julia na UFRJ. Também participaram do estudo cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Todos os autores são brasileiros.

“O objetivo do nosso estudo é entender que consequências a epidemia que tivemos no Brasil poderá ter a longo prazo, já que milhões de crianças foram expostas ao vírus durante a gestação, embora não tenham nascido com microcefalia”, explicou a pesquisadora.

Utilizando o novo modelo, os cientistas observaram que camundongos infectados logo após o nascimento apresentaram sintomas precoces e tardios da infecção, incluindo perda de peso - que não é recuperada na idade adulta -, déficit cognitivo e problemas persistentes na coordenação motora.

A memória e a sociabilidade dos camundongos adultos também foi afetada - algo que, segundo os autores do novo estudo, pode ter relação com observações feitas por outros cientistas de que a exposição ao vírus logo após o nascimento pode estar associada ao desenvolvimento futuro de autismo e esquizofrenia.

“A literatura científica mostra que a infecção por outros vírus, como o da gripe, tem associação com o desenvolvimento de doenças como o autismo e a esquizofrenia na adolescência. Esse impacto na memória e na sociabilidade dos camundongos indica que a zika também pode ter esse tipo de sequela”, disse Julia.