Mais do que poder se trajar como uma Frida Kahlo Indígenas homens que se vestem de mulher lutam por reconhecimento no México

Jennifer GONZALEZ COVARRUBIAS
DA AGÊNCIA FRANCE-PRESSE

Publicação: 21/10/2017 03:00

Juchitán de Zaragoza - Estrella Velázquez exibe com orgulho um chongo (penteado) adornado com uma rosa vermelha, enquanto caminha sem pressa na cidade mexicana de Juchitán, ignorando as piadas que ouve. Ele é um dos muxes de Oaxaca, indígenas homens que se vestem de mulher, denominados de “o terceiro gênero”.

O terremoto de 8,2 graus em 7 de setembro passado transformou em escombros grande parte do Istmo de Tehuantepec, da geografia do México, e os muxes, pertencentes à etnia indígena zapoteca, carregam louças onde preparam alimentos com os escassos ingredientes disponíveis. No entanto, o violento sismo que deixou quase uma centena de mortos em Oaxaca e Chiapas deixou intacta a discriminação.

Durante décadas foram aceitos como “iniciadores sexuais” dos homens até que alguns deixaram de se conformar com este papel e deram um passo que os confrontaram com as mulheres desta região, predominantemente matriarcal.

Inspirados no avanço da luta da comunidade LGTB em outras latitudes, agora os muxes começaram a usar diariamente vestidos típicos e de gala em festas religiosas que duram dias. Muitos conseguiram, inclusive, mudar seu nome em documentos oficiais.

As mulheres de Juchitán não se importam de que os muxes mantenham relações com os homens de suas comunidades, o que rejeitam é que vistam tehuanas (traje típico das mulheres mexicanas) e, sobretudo, que invadam os espaços mais importantes de suas celebrações, as denominadas Velas.

Os trajes de tehuana, popularizados pela célebre pintora mexicana Frida Kahlo, tão belos quanto caros, são bordados à mão em veludo, acompanhados de joalheria artesanal em ouro e arrematados com adornos de cabeça denominados resplandores.

“Somos mais livres, mais vistosas”, mas “ainda há discriminação”, afirma Estrella Vásquez, de 35 anos, diretora da Secretaria de Diversidade Sexual do município de Juchitán.

A associação civil Melendre, que defende e promove a cultura zapoteca, estima que dos 75.000 habitantes de Juchitán, cinco mil sejam muxes, e também estão presentes em povoados vizinhos como Niltepec e Ixtepec.

“Que façam com sua sexualidade o que quiserem (...) Tudo estava bem até que começaram a ‘se vestir’, é indigno que usem nossos trajes de gala”, diz, fazendo gestos no ar, Angélica Castillejos, uma estilista de 46 anos, enquanto aguarda seu pedido em um mercado local.

Em contraste, a maioria dos homens abordados demonstrou neutralidade. “Está bem (se os muxes usarem vestimenta típica). A mim não incomoda”, comenta o açougueiro Alejandro Ruiz, sob o olhar irritado da caixa do estabelecimento, que lhe dispara algumas palavras em zapoteca, idioma dos nativos do sul do México.

“A homofobia se deve ao papel de destaque assumido por alguns muxes, que não foi muito bem visto porque se considera que foi em detrimento do papel de protagonista que a mulher tem na sociedade zapoteca”, afirmou Luis Guerrero, diretor do comitê Melendre. Os muxes argumentam que precisam de mais visibilidade. “Era desnecessário, aqui sempre tiveram seu papel perfeitamente identificado” como o “terceiro gênero”, acrescentou Guerrero.

“Simplesmente somos corpos que se prestam para os homens (...) Eles  vão se casar com mulheres, que têm vulva e vagina”
Biniza Carrillo, Muxe de Oaxaca