Com sabor de quintal

Publicação: 21/01/2017 03:00

Uso das plantas alimentícias não convencionais (PANCS) tem se popularizado aos poucos em Pernambuco. Jambu (esq.) é uma das folhas que podem ser  incorporadas às receitas (divulgação | bangalow.com/Reproducao da Inter )
Uso das plantas alimentícias não convencionais (PANCS) tem se popularizado aos poucos em Pernambuco. Jambu (esq.) é uma das folhas que podem ser incorporadas às receitas
Em Pernambuco, as PANCS vêm ganhando popularidade. Adornam e agregam sabor a pratos regionais e da culinária contemporânea. “Uma das PANCS mais comuns na nossa região é o bredo (Talinum triangulare). Para muitas pessoas, é uma erva daninha que se prolifera em determinadas épocas do ano. Típico em pratos da Semana Santa, o bredo costuma ser preparado refogado ao molho de coco. Tem sabor forte, combina com aromáticos, perfumados e com leve acidez”, conta a chef consultora pernambucana Andrea Hunka, referência local no tema.

O bredo pernambucano pode ser comparado à ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata), típica do Sudeste, sobretudo de Minas Gerais. Usada também para alimentar o gado, é incorporada a receitas tradicionais do estado. “Uma das mais comuns é o angu com ora-pro-nóbis. As folhas têm sabor suave e são fibrosas”, diz Andrea. Ela cita, ainda, a jurubeba (Solanum paniculatum) como PANC popular no país. No interior do Nordeste, serve para infusões e é usada popularmente no tratamento de desconfortos digestivos, além de ser servida em molhos e conservas. A flor, amarga, é comestível.

Para o chef pernambucano Armando Pugliesi, as PANCS são atrativas por despertarem a curiosidade quanto aos efeitos sobre os pratos. “Tudo que tem aura de novidade desperta interesse. É preciso lembrar, no entanto, que se trata de um recurso antigo, que andava esquecido. Não é tão popular quanto poderia, mas está na nossa memória afetiva, sensorial. Quando eu era pequeno, preparavam leite com mastruz para mim. Também já comi folhas de peixinho, ora-pro-nóbis... Das folhas de acelora, se faz chá. Eu já preparei alguns pratos com jambu, uma PANC típica da região Norte”, diz Pugliesi.

“Taioba, flor de hibisco, jambo amarelo, tansagem, sabugueiro, aipo silvestre, macaúba, almeirão silvestre, alho silvestre, bredo, cúrcuma e beldroega foram algumas das espécies que encontramos pelo caminho”, cataloga Neide Rigo num dos relatos virtuais das explorações por São Paulo, atestando a proliferação espontânea de PANCS à disposição de quem quiser experimentá-las.

Em casa
É possível cultivar espécies de PANCS no quintal ou jardim de casa. Algumas delas exigem pouco espaço e, quando típicas do clima da região em que são semeadas, requerem apenas cuidados básicos, como oferta regular de água e tratamento da terra com fertilização natural. As PANCS caseiras podem ser usadas no preparo das refeições da família e ajudam a criar um ambiente ecologicamente saudável.

Receita

Aligot de fruta-pão
(por Andrea Hunka)

Ingredientes:
1kg de fruta-pão cozido, amassado e sem casaca
300 ml de creme de leite fresco
2 colheres de sopa de manteiga (aproximadamente 50gr)
água
queijo gruyére ralado
queijo minas padrão ralado

Modo de fazer: Lave a fruta-pão, corte em em quatro gomos, retire o parte central. Leve à panela de pressão com água e sal. Quando estiver macio,  descarte a água e amasse, depois bata um pouco no mixer até formar um purê liso. Pode colocar um pouco de creme de leite para ajudar a bater. Leve o purê de volta à panela, acrescente todo o creme de leite e mexa bem. Depois, coloque a manteiga e misture bem. Na sequência, acrescente um pouco de cada queijo e mexa sem parar, até ficar elástico. No fim, coloque sal a gosto, lembrando que os queijos podem salgar o purê. A soma das quantidades de queijo deve ser igual à quantidade de purê. Por exemplo: 200g de purê devem ser misturados a 100g de queijo gruyére e mais 100g de queijo minas padrão. O segredo é colocar os queijos por último e deixar que derretam completamente.

Entrevista

 (FACEBOOK/REPRODUÇÃO DA INTERNET)
Andrea Hunka  // chef consultora especialista em PANCS

"Sabor forte e preparo simples"

Como podemos diferenciar as PANCS de outras plantas e flores?
As PANCS estão compreendidas na cultura de várias nações e, como toda e qualquer planta, nascem em conformidade com seu local de origem. Algumas regiões são mais ricas dessas variações, outras mais escassas. Elas foram sendo disseminadas ao longo das várias andanças pelo mundo às quais a raça humana se permitiu, principalmente no período colonial, quando as possibilidade de transporte se ampliaram com as rotas navegáveis. A grande diferença entre as PANCS e as plantas comerciais é que a distribuição das primeiras é limitada, restrita a determinadas regiões.

Há classificações para as plantas comestíveis?
Sim. Há as chamadas “plantas subtilizadas”, que já foram bastante comercializadas, bastante usadas em um determinado tempo, mas caíram em desuso. Muitas foram extintas ou ficaram abandonadas em canteiros a esmo, por fatores econômicos, culturais, genéticos, sociais e agrícolas. “Plantas neglicenciadas” são aquelas cultivadas primariamente em seus centros de origem  ou diversidade por agricultores familiares, onde ainda são importantes para a subsistência  das comunidades locais. Há, também, as “plantas tradicionais”, cujo cultivo está associado a populações tradicionais e à cultura associada a essas espécies. É o caso, por exemplo, das batatas na cultura peruana.

Por que as PANCS não são tão populares quanto poderiam?
As PANCS ainda não receberam a devida atenção por parte da comunidade técnico-científica e da sociedade como todo. Seu consumo é frequentemente local ou regional, sem muita penetração nacional. Não existe uma organização de cadeia produtiva, não despertam interesse nas empresas de sementes, fertilizantes e agroquímicas. São prejudicadas, ainda, pela falta de conhecimento e o preconceito de usar o que não está nos domínios do consumo, aquilo que “brota” espontaneamente da terra. Nos parece estranho colher em nosso chão para nos alimentarmos. Estamos abdicando do simples, de nossos quintais, porque quase não os temos. Mas já existem várias frentes, vários culinaristas, antropólogos alimentares,  sociólogos e agrônomos interessados em difundir essa conquista.

As PANCS têm valor nutritivo?
Milhares de espécies com alto valor nutritivo são negligenciadas. As PANC têm potencial para complementação alimentar, diversificação dos cardápios e dos nutrientes ingeridos. São excelentes para trazer um cardápio diverso, com alto poder nutritivo, maior variedade e equilíbrio nas refeições.

Como podemos incorporar as PANCS no cardápio feito em casa?

A maioria das PANCS são de fácil acesso e de  preparo simples. Aquelas de sabor mais forte podem ser usadas em ensopados, compotas. Algumas em infusões, escaldadas para retirar o amargo. Cruas, em forma de saladas, com angu para refeições maiores. O bredo e o cará são exemplos de PANCS já inseridas em nossa culinária tradicional. Outra delas é a fruta-pão, presente em nossa memória afetiva, que harmoniza com proteínas como a carne de sol ou a de bode. Sugiro, ainda, carne de panela com coentrão, acompanhada de refogado de azedinha e arroz com beldroegas. Para finalizar, suco de ubaias e, de sobremesa, compota de araçá. Um cardápio todo composto por PANCS.