ESPECIAL GENERAL ABREU E LIMA » A morte de um gigante da história A negação da sepultura católica ao General gerou grande movimentação em Pernambuco

Monique Santana
de Oliveira Sousa

Publicação: 21/09/2019 03:00

A trajetória de um indivíduo não é marcada pela linearidade, somos frutos da mudança: de conjunturas políticas; de viradas ideológicas; de inovações sociais; todavia, a trajetória do General Abreu e Lima é marcada por intensas e constantes transformações, sobretudo porque ele viveu em um período de transição de regime político, estrutura social, novas configurações econômicas e culturais que formavam o cenário do processo de consolidação do Estado Nação Latino Americano, e, ainda, o horizonte de novas experiências que foram possíveis devido as suas vivências em outras nações e seu protagonismo político, como por exemplo, sua colaboração para fundar a República da Grã-Colômbia.

Maçom de 33º grau, Abreu e Lima estava bem entrosado com os ideais libertários, os quais, em momentos de revolução, somavam-se a lembrança heroica de seu pai fuzilado na Revolução de 1817 por promulgar a liberdade.

Lutou pela independência da América Hispânica e pelo projeto de uma integração na América do Sul; foi a favor da revolução e do sistema republicano; defendeu a Monarquia e o retorno de D. Pedro I ao trono; criticou as múltiplas facetas e personagens do período regencial no Brasil; debateu inúmeras questões acerca da estrutura política e questões nacionais na imprensa periódica; escreveu artigos e livros de caráter histórico; participou da revolução Praieira; foi crítico aos dogmas e estruturas da igreja católica.

Em 8 de Março de 1869, há 150 anos, o polêmico General Abreu e Lima faleceu aos 75 anos de idade, em Pernambuco, devido a uma grave enfermidade, todavia, os conflitos viveram, na verdade, ousaria dizer que eles vivem até hoje.

O Bispo Cardoso Ayres impediu que Abreu e Lima fosse sepultado em cemitério católico alegando que o General não era cristão/católico praticante tendo como justificativa os seus escritos contra a Igreja, logo, ele foi enterrado então no Cemitério dos Ingleses em Pernambuco, local este em que eram sepultados estrangeiros e protestantes.

A decisão do Bispo foi devido aos escritos de Abreu e Lima tais como as críticas que fazia a diversos personagens de dentro e fora da sua rede de sociabilidade, principalmente na época em que adotou o pseudônimo de “Cristão Velho” fazendo argumentações contra as normas da Igreja Católica, entre elas: o conflito da distribuição de bíblias, que ficou conhecido como “as bíblias falsificadas”; o casamento civil e a liberdade religiosa.

Na época a Igreja Católica era a responsável pelas questões civis, tais como nascimento, casamento e óbito, ou seja, ser católico implicava não apenas no âmbito religioso, mas também como uma questão de cidadania, apenas em 1879 é que começaram a discutir na Câmara dos Deputados acerca da Secularização dos Cemitérios e foi aprovado, após muita resistência e conflitos, em 1887.

A negação da sepultura católica ao General gerou grande movimentação em Pernambuco, manifestações, debates, escritos na imprensa, questionava-se, sobretudo porque esse embate de Abreu e Lima com a igreja não foi resolvido ainda em vida, visto que já não havia como o “Cristão Velho” se defender, era uma luta injusta, por outro lado, outros se contentavam em afirmar que “a lei é dura, mas é a lei”; ainda assim, seus restos mortais permanecem até hoje no Cemitério dos Ingleses, em sua lápide foi escrito: “Aqui jaz o cidadão brasileiro José Ignácio de Abreu e Lima, propugnador esforçado da Liberdade de consciência.”

Na comemoração centenária da Revolução Praieira o deputado estadual Paulo Cavalcanti criou a ementa nº279/27 que previa a transladação dos restos mortais do General para o Cemitério Público de Santo Amaro e seria construído um jazigo à altura da importância do General, a ementa foi aprovada, contudo não foi executada, havia ainda a tentativa de levá-lo para a Venezuela, o que também não ocorreu, todavia, o seu nome está lembrado no Monumento aos Próceres em Caracas.

De certa maneira, o General Abreu e Lima é um estrangeiro em sua própria pátria; se por um lado transladar os restos mortais para outro cemitério é uma forma simbólica de repatriá-lo e ressignificar a sua história dando a honra merecida, por outro lado, tirá-lo de lá sem projetar uma memória honrosa é negar a sua trajetória.

“Eu acabarei, e o meu nome ficará envolto com os honrosos título de Libertador de Venezuela, da Nova Granada, de vencedor de Boyacá, em Porto Cabello, etc,etc. E o vosso?” (General Abreu e Lima).