DIARIO NOS BAIRROS » Um estilo próprio de viver Moradores de alguns bairros da Zona Norte compartilham do hábito de fazer as coisas a pé e têm suas singularidades

THATIANA PIMENTEL
thatiana.pimentel@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 20/04/2018 09:00

Uma região com vocação para serviços e comércio, que guarda alguns dos metros quadrados mais caros do Nordeste, cercada de verde, onde os moradores se preocupam com o meio ambiente e gostam de circular a pé. Essas são características de alguns bairros da Zona Norte do Recife, a exemplo de Aflitos, Tamarineira, Parnamirim, Casa Forte, Jaqueira, Poço da Panela e Apipucos. Na área em que estão inseridos, o total de empresas ultrapassa 20 mil registros,  13% das unidades da cidade, sendo 87,5% desses de serviços ou comércio. Quem quer empreender por lá precisa entender as fortes singularidades dos consumidores locais. A primeira é a walkability ou caminhabilidade. É a necessidade das empresas de estarem à distância de uma caminhada de seus clientes. Os dois pontos são respeito à tradição e comprometimento com a sustentabilidade.

“Queríamos ter um ponto central com restaurantes, pub e um mercado e que seja próximo ao público, com esse conceito de proximidade e ter opções para todas as idades. Isso não existia no Recife. Como precisávamos de um espaço como esse, um casarão grande e com muito verde, começamos a avaliar a Zona Norte e a renda per capita daqui, que é bem alta, fez a gente apostar”, explica Hélder Bezerra, que comanda o Barchef com os irmãos Gilberto e Bueno.

Para Roberto Ferreira, professor de economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Faculdade Guararapes (FG) e morador da Zona Norte, o caráter tradicional dos bairros se preserva pelo lento desenvolvimento econômico deles e se tornou uma das qualidades que conferem nobreza à área. “Há 20 anos, não existia nenhum polo econômico nesses bairros nem residencial mesmo. Aqui, os prédios vieram primeiro e eles que trouxeram essa vocação de serviços e comércio para a região”, avalia o especialista.

Por outro lado, alerta Ferreira, esse desenvolvimento populacional e financeiro também está gerando um ônus para a mobilidade da Zona Norte. “Assim como a Via Mangue foi construída para ser um escape do trânsito da Zona Sul, a Zona Norte hoje já precisa de uma solução urbanística para o caos do trânsito”.

ESCOLHA
Os sócios do GreenMix, Ricardo Canella, Rafaela Dias, Luciano Pontes e Mariana Dias, que têm uma unidade do mercado saudável em Boa Viagem, estão satisfeitos com a decisão de abrir uma unidade, em 2017, nas Graças, no famoso casarão da Toyolex. “Crescemos 80% neste primeiro ano na Zona Norte. Então, podemos dizer que fomos muito bem recebidos pelos moradores. Notamos que existe uma preocupação maior com a qualidade de vida, saúde e praticidade por aqui, que é o que oferecemos”, destaca.

Para jovens empreendedores, investir na Zona Norte é fundamental para consolidar uma marca no Recife. Esse foi um dos motivos da escolha de Eduardo Freyre, responsável pelo bar Vaporetto, inaugurado em 2014 em frente à Praça Compositor Antônio Maria, em Casa Forte. Com a consolidação, o empresário sentiu a necessidade de explorar também o público em busca de lanches e inaugurou uma Beleleu, hamburgueria gourmet, ao lado do Vaporetto, no final de 2016.

As empresárias Maria Duarte e Gabriela Mota, que possuem uma unidade da loja Bliss  (moda feminina) em Boa Viagem e outra no Parnamirim, observam diferenças no perfil dos clientes das duas regiões. “Em Boa Viagem, as meninas são mais produzidas, gostam de brilho, roupas mais coladas. Na Zona Norte, notamos que as mulheres são mais descoladas e desencanadas. Aqui, a preferência é por roupas leves, coloridas e estampadas”, explica Maria Duarte.

Personagens
O que eles gostam de fazer nos bairros da Zona Norte onde resolveram viver:
  • Silvério Pessoa, músico
  • Manuel Dantas Suassuna, artista plástico e filho de Ariano Suassuna
  • Gilberto Freyre Neto, Coordenador-Geral de Projetos da Fundação Gilberto Freyre, seu avô
Quantos anos você morou na Zona Norte do Recife? Sua família ainda mora na região?

Silvério: Eu moro ainda na Zona Norte, mais precisamente no bairro de Casa Forte há 20  anos. Quando migrei de Carpina para o Recife, morei toda a minha juventude na  Zona Oeste, no bairro do Barro, e, quando casei, fui morar na Madalena e depois Casa Forte, onde estou até hoje.

Manuel: Eu nasci (1961) e fui criado na Rua do Chacon, no bairro de Casa Forte. Minha família continua morando lá, na mesma casa.

Gilberto: Moro até hoje, desde o ano que nasci, em 1973, fui apenas de Apipucos para Casa Forte.

Quais espaços, sejam comerciais ou não, nesses bairros marcaram a sua  memória e ainda estão presentes em sua vida?  

Silvério: Primeiro, em Casa Forte existe uma atmosfera bucólica, nostálgica que me  identifico. Igrejas, praças e um bairro ladeado pelas margens do Rio Capibaribe que me deixa ameno e reflexivo, como gosto de vivenciar meu cotidiano. Entre  caminhadas pelo Parque Santana e saídas de rotina para dar conta de minha carreira, encontro também no bairro estúdios de ensaios e de gravação que não me desloca muito da área.

Manuel: Alguns dos espaços comerciais não existem mais, como o Restaurante Água de Beber, a bodega de Seu Filete e o Cinema Luan. Na memória afetiva existem: a Praça de Casa Forte e o Largo da Igreja de Nossa Senhora da Saúde.

Gilberto: A casa de meu avô me marcou muito na infância. A Fundação Joaquim Nabuco também, assim como o Museu do Homem do Nordeste, que sempre foi a extensão da minha casa.

Quais locais que você faz questão de indicar para amigos que estão visitando a cidade?

Silvério: Boteco do Lauro aqui pertinho da Rua Agrestina, com comida regional e um clima de bate papo muito bacana e familiar. Adoro. Padaria Casa Forte é um cantinho ótimo para dar uma passada. O boteco Largura é maravilhoso e tem  espaço bem ao tipo do interior e bons papos da galera que frequenta. Gosto  muito do Famintos, pois é a cara de Casa Forte, você percebe as pessoas que  marcam o bairro por lá.

Manuel: O largo do Poço da Panela.

Gilberto: O Museu do Homem do Nordeste sempre, a Confeitaria Pernambucana, o Pecora Nera (Praça de Casa Forte), a Venda de Seu Antônio, Oma Bistrô (Parnamirim) e o Barchef.

Existe algum hábito de consumo típico da Zona Norte que você identifique?

Silvério: Sim. Sem dúvida, as atividades festivas que existem no bairro, como o carnaval, ou ações das escolas que envolvam as crianças e jovens, sempre têm uma frequência de famílias e isso destaca o bairro. É bom lembrar que a Zona  Norte é uma zona limítrofe com vários outros bairros, como por exemplo Vasco da Gama, Alto do Mandu, José Bonifácio e Casa Amarela, que tem o mercado, a feira, e vários botecos e lugares singelos para almoçar e conversar.

Manuel: O restaurante da Mira (em Casa Amarela).

Gilberto: Que tal irmos à venda de Seu Vital, no Poço da Panela? Vai começar a época de forró por lá...

Quais desafios podem afetar a vida comercial ou econômica do bairro?

Silvério: Os desafios de qualquer metrópole que cresce sem  planejamento urbano e humano: Transporte, saúde e, principalmente, segurança. Caminhar a pé à noite é risco dos maiores. Acho que iluminação também. Essa área, à noite, é escura e sem atrativos urbanos.

Manuel: A descaracterização das ruas.

Gilberto: Mobilidade é um grande problema, mas conciliar o espírito empreendedor com o estilo dormitório familiar do bairro talvez seja mais complexo de administrar.

O que fazer aos domingos na região?

Silvério: Para mim, é priorizar a família e os amigos. Chamar os amigos, tomar um vinho e fazer uma comida em casa. Gosto bastante de caminhar nos parques cedinho e  estou dando uma geral na bike para dar um rolé de manhã na ciclovia.

Manuel: Eu, pessoalmente, preservo um costume de almoçar na casa dos meus pais.

Existe uma vocação ou vocações empreendedoras na região? Quais?

Gilberto: Sempre achei esse território um dormitório, mas hoje temos empreendimentos de entrenimento e lazer noturno, como um conjunto de bares e casas de festa na Avenida 17 de Agosto. A própria Praça de Casa Forte, o Sítio da Trindade e o Parque de Santana refletem esse estilo familiar, mas os espaços comerciais começam a ocupar o território.