Municípios ameaçados de sumir Governo quer fim de cidades, com menos de cinco mil habitantes, que não se mantêm financeiramente. Há dois casos em Pernambuco

Publicação: 06/11/2019 03:00

O governo federal quer reduzir o número de municípios pequenos sem autonomia financeira existentes no país. Em uma das medidas previstas na chamada PEC do pacto federativo, entregue ao Senado, o Ministério da Economia apresenta uma regra que prevê a fusão de municípios nessa condição.

De acordo com a proposta entregue ontem pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) aos parlamentares, municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação própria menor que 10% da receita total serão incorporados pelo município vizinho. Dois municípios pernambucanos, ambos no Sertão, estão ameaçados por atenderem esses requisitos: Itacuruba e Ingazeira.

Favorita para receber uma usina nuclear, dentro do plano do governo federal de estimular esse tipo de geração de energia, Itacuruba (tornou-se cidade em 1963) possui 4.369 habitantes, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A cidade tem somente 8,2% das suas receitas próprias, ficando abaixo da régua da nova regra. Em uma fusão, poderia ser agregada às vizinhas Floresta ou Belém do São Francisco.

Os moradores de Itacuruba, aliás, já foram obrigados a se mudar da cidade, na década de 1980, quando parte do território precisou ser relocalizado devido a uma inundação  planejada para a construção da Barragem de Itaparica.

No caso de Ingazeira, fundada em 1820, a cidade possui 4.496 habitantes e suas receitas próprias ainda são inferiores às de Itacuruba: 4,9%. As cidades limítrofes são: Iguaracy, São José do Egito, Tabira e Tuparetama.

Pela PEC, a brecha para fusão de municípios começaria a vigorar a partir de 2026. Uma lei complementar terá que ser aprovada até esta data para que seja definido o processo de fusão.

Essas propostas de mudança pegaram de surpresa o presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), José Patriota. Para ele, ainda é cedo para dizer se essas novidades são boas ou não. Enquanto aguarda uma nota técnica da Confederação Nacional dos Municípios para manter um posicionamento alinhado, Patriota comentou sobre essa regra para as cidades com até cinco mil habitantes. “Em Pernambuco só teríamos dois nesta condição, Itacuruba e Ingazeira, ambos no Sertão. Mas a Paraíba teria 67 cidades. No Nordeste, a maioria dos municípios não chega aos 10% nem com 50 mil habitantes”, aponta Patriota.

Embora não tenham viabilidade econômica, estes municípios têm votos e a medida, às vésperas da eleição municipal, segundo ele, vai causar um “rebuliço”. “A população já incorporou o sentimento de pertencimento, especialmente os emancipados. Virá uma reação política”, acredita o presidente da Amupe.

Patriota também está reticente em relação ao pacto federativo, mesmo com a proposta de mais recursos para os estados e municípios. “Aparentemente, é interessante. A desvinculação dos recursos de educação e saúde pode parecer uma liberdade muito boa, mas temos que analisar porque os prefeitos têm obrigações vinculadas. Tem ainda as questões da estabilidade, da emergência fiscal, a União não vai mais ser avalista de empréstimos a bancos… Desobriga muita coisa para o governo. Tu estás livre. Te vira”, observa.

Mas, para Patriota, na economia e na desigualdade do Nordeste, com estados em desenvolvimento, tem um impacto regional. “Acaba com os fundos, como fica o Fundo Constitucional do Nordeste? E o fomento ao crédito? Hoje o Banco do Nordeste é um braço forte, do microcrédito ao maior empresário, com crédito diferenciado porque a região é diferenciada. Temos que ter muita cautela”, conclui.

NO RADAR

O Brasil tem 1.253 municípios com menos de 5 mil habitantes, segundo dados do IBGE. O secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, afirmou que todos esses 1.253 municípios podem ser atingidos pela regra. “Muitos municípios foram criados gerando novas despesas e não atendendo o cidadão na ponta. É o que queremos corrigir”, disse.

O ministro Paulo Guedes disse que a ideia de reestruturar pequenos municípios sem autonomia financeira surgiu em conversas com parlamentares. “São lideranças políticas experientes e eles têm lá os combates deles”. (Kauê Diniz e Etiene Ramos com agências)

Gestação de cidades
  • A criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios no Brasil está suspensa desde 1996, de acordo com a CNM (Confederação Nacional de Municípios)
  • Até aquele ano, cada estado tinha uma lei própria que definia os critérios para criar novas cidades, o que levou a um aumento acelerado no número de prefeituras
  • Uma em cada cinco cidades brasileiras foi criada após a Constituição de 1988
  • Em 1996, foi aprovada uma emenda à Constituição que condicionou a criação de novas cidades à aprovação de uma lei federal, que definiria critérios para verificar a viabilidade do município
  • Desde então, o Congresso aprovou várias normas para regulamentar a questão, mas que acabaram vetadas pelo Poder Executivo
  • O último veto se deu em 2014, na gestão Dilma Rousseff
  • Em 2015, a proposta foi ressuscitada, mas não chegou a ser aprovada pelo Congresso
  • Entre as regras previstas estavam a necessidade de a população do novo município e do que foi desmembrado ser de, pelo menos...
    - 6 mil habitantes no Norte e Centro-Oeste
    - 12 mil no Nordeste
    - 20 mil no Sul e Sudeste
  • De 1988 a 1996, foram criados quase 1,2 mil municípios no país
  • Em 2008, outra emenda regularizou a situação de 57 municípios criados em desacordo com a emenda
  • Nesta terça-feira, o governo federal apresentou uma proposta que altera novamente a Constituição e que pode extinguir até 1.253 municípios.
  • A medida foi criticada por instituições que reúnem os municípios brasileiros