"Boca livre" de R$ 180 mi com o dinheiro da cultura
Grupo montou esquema para receber verbas da Lei Rouanet sem cumprir o que foi aprovado
Publicação: 29/06/2016 03:00
A Polícia Federal deflagrou ontem a Operação Boca Livre, que apura o desvio de R$ 180 milhões em 250 contratos de projetos culturais que captaram recursos a partir da Lei Rouanet desde 2001. A PF concluiu que diversos projetos de teatro itinerante voltados para crianças e adolescentes carentes deixaram de ser executados, assim como livros não foram doados a escolas e bibliotecas públicas. Os suspeitos usaram o dinheiro público para fazer shows com artistas famosos em festas privadas para grande empresas, livros institucionais e até a festa de casamento de um dos investigados, na Praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis, Santa Catarina.
A descoberta de fraudes no mecanismo de incentivo fiscal para estimular o apoio privado a atividades artísticas, criado em 1991, fez o governo anunciar que os ministérios da Cultura e da Justiça vão preparar uma portaria interministerial revendo a legislação e adotando novos parâmetros de auditoria.
A PF realizou ontem buscas no Ministério da Cultura (MinC) e indicou falha de fiscalização da pasta. Segundo a investigação, os suspeitos teriam se beneficiado de um esquema montado pelo Grupo Bellini Eventos Culturais, de São Paulo. O dono do grupo, Antônio Carlos Bellini Amorim, foi preso.
O casamento do filho dele, Felipe Amorim, realizado em Florianópolis, no dia 25 de maio, seria um dos eventos bancados com verbas da Lei Rouanet. Valores desembolsados com toda a produção da cerimônia não foram revelados. O artista convidado pelos noivos, o sertanejo Leo Rodriguez, cobraria entre R$ 50 mil e R$ 70 mil por show. Um vídeo, cujas cenas foram incluídas no inquérito, mostra imagens da cerimônia luxuosa, com taças de champanhe, DJ, centenas de convidados e uma ambientação megalomaníaca e pirotécnica.
A operação indica que o grupo, que supostamente promovia os eventos, captava os recursos “com facilitações” no MinC. Essa facilitação será investigada da segunda fase do inquérito, a partir da análise do material apreendido e dos depoimentos. “O Ministério não só propiciava as condições ideais para a aprovação desses projetos forjados, como também exercia uma fiscalização pífia ou nenhuma de uma forma dolosa para que esses projetos plagiados, copiados, repetidos, não fossem identificados como tais”, disse a procuradora Karen Kahn, da força-tarefa da Boca Livre.
A organização criminosa, segundo a Polícia, era dividida em três núcleos. O principal formado por pessoas com poder de decisão no grupo empresarial envolvido. Conversas telefônicas interceptadas apuraram que o principal membro do núcleo afirmou várias vezes ter captado grandes quantias através da Lei Rouanet ao longo dos anos por meio de suas empresas e pessoas ligadas ao grupo. Também havia um núcleo secundário, composto de pessoas que participavam ativamente das fraudes, como funcionários e ex-funcionários do grupo. Por fim, havia um terceiro núcleo que envolvia a participação de incentivadores ou patrocinadores.
O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que o problema não é a Lei Rouanet, mas sim na “ausência de mecanismos preventivos”. “Nós vimos a gravação de um vídeo do casamento, uma festa boca livre que nós pagamos”, disse, indignado.
O ministro da Cultura, Marcelo Calero, também afirmou que o escândalo não pode ser utilizado para “demonizar” o instrumento de fomento à cultura. Nas palavras dele, foram “bandidos que formaram uma quadrilha e se valeram do instrumento para finalidades não previstas na própria Lei Rouanet”.
Calero disse que seus antecessores tiveram papel relevante na investigação da PF. “Os próprios indícios que levaram à conflagração da operação Boca Livre surgem a partir de investigações e auditorias que foram levadas a cabo pelos meus antecessores no Ministério da Cultura”. (Da redação com agências)
O caso
Bellini Eventos Culturais, Scania, KPMG e o escritório de advocacia Demarest
Alvos da operação
Ministério da Cultura, escritório Demarest Advogados, a empresas Scania, Roldão, Intermédica Notre Dame, Laboratório Cristalia, KPMG, Lojas 100, Nycomed Produtos Farmacêuticos e Cecil
A investigação
Criada no governo Fernando Collor (PTC/AL), em 1991. A legislação permite a captação de recursos para projetos culturais por meio de incentivos fiscais para empresas e pessoas físicas. Na prática, por exemplo, a Lei Rouanet permite que uma empresa privada direcione parte do dinheiro que iria gastar com impostos para financiar propostas aprovadas pelo Ministério da Cultura para receber recursos
Os passos
A descoberta de fraudes no mecanismo de incentivo fiscal para estimular o apoio privado a atividades artísticas, criado em 1991, fez o governo anunciar que os ministérios da Cultura e da Justiça vão preparar uma portaria interministerial revendo a legislação e adotando novos parâmetros de auditoria.
A PF realizou ontem buscas no Ministério da Cultura (MinC) e indicou falha de fiscalização da pasta. Segundo a investigação, os suspeitos teriam se beneficiado de um esquema montado pelo Grupo Bellini Eventos Culturais, de São Paulo. O dono do grupo, Antônio Carlos Bellini Amorim, foi preso.
O casamento do filho dele, Felipe Amorim, realizado em Florianópolis, no dia 25 de maio, seria um dos eventos bancados com verbas da Lei Rouanet. Valores desembolsados com toda a produção da cerimônia não foram revelados. O artista convidado pelos noivos, o sertanejo Leo Rodriguez, cobraria entre R$ 50 mil e R$ 70 mil por show. Um vídeo, cujas cenas foram incluídas no inquérito, mostra imagens da cerimônia luxuosa, com taças de champanhe, DJ, centenas de convidados e uma ambientação megalomaníaca e pirotécnica.
A operação indica que o grupo, que supostamente promovia os eventos, captava os recursos “com facilitações” no MinC. Essa facilitação será investigada da segunda fase do inquérito, a partir da análise do material apreendido e dos depoimentos. “O Ministério não só propiciava as condições ideais para a aprovação desses projetos forjados, como também exercia uma fiscalização pífia ou nenhuma de uma forma dolosa para que esses projetos plagiados, copiados, repetidos, não fossem identificados como tais”, disse a procuradora Karen Kahn, da força-tarefa da Boca Livre.
A organização criminosa, segundo a Polícia, era dividida em três núcleos. O principal formado por pessoas com poder de decisão no grupo empresarial envolvido. Conversas telefônicas interceptadas apuraram que o principal membro do núcleo afirmou várias vezes ter captado grandes quantias através da Lei Rouanet ao longo dos anos por meio de suas empresas e pessoas ligadas ao grupo. Também havia um núcleo secundário, composto de pessoas que participavam ativamente das fraudes, como funcionários e ex-funcionários do grupo. Por fim, havia um terceiro núcleo que envolvia a participação de incentivadores ou patrocinadores.
O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que o problema não é a Lei Rouanet, mas sim na “ausência de mecanismos preventivos”. “Nós vimos a gravação de um vídeo do casamento, uma festa boca livre que nós pagamos”, disse, indignado.
O ministro da Cultura, Marcelo Calero, também afirmou que o escândalo não pode ser utilizado para “demonizar” o instrumento de fomento à cultura. Nas palavras dele, foram “bandidos que formaram uma quadrilha e se valeram do instrumento para finalidades não previstas na própria Lei Rouanet”.
Calero disse que seus antecessores tiveram papel relevante na investigação da PF. “Os próprios indícios que levaram à conflagração da operação Boca Livre surgem a partir de investigações e auditorias que foram levadas a cabo pelos meus antecessores no Ministério da Cultura”. (Da redação com agências)
O caso
- 20 anos, aproximadamente, é o tempo em que o grupo criminoso, segundo a PF, atuou no Ministério da Cultura
- R$ 180 milhões foram aprovados para esse grupo em projetos fraudulentos
Bellini Eventos Culturais, Scania, KPMG e o escritório de advocacia Demarest
Alvos da operação
Ministério da Cultura, escritório Demarest Advogados, a empresas Scania, Roldão, Intermédica Notre Dame, Laboratório Cristalia, KPMG, Lojas 100, Nycomed Produtos Farmacêuticos e Cecil
A investigação
- O inquérito policial foi instaurado em 2014, após a PF receber documentação da Controladoria Geral da União de desvio de recursos relacionados a projetos aprovados com o benefício fiscal
- Há indícios de que as fraudes ocorriam de diversas maneiras como a inexecução de projetos, superfaturamento, apresentação de notas fiscais relativas a serviços/produtos fictícios, projetos simulados e duplicados, além da promoção de contrapartidas ilícitas às incentivadoras
- As investigações constataram que eventos corporativos, shows com artistas famosos em festas privadas para grandes empresas, livros institucionais e até mesmo uma festa de casamento foram custeados com recursos de natureza pública, obtidos por meio da Lei Rouanet
- Foram realizados bloqueios de valores e o sequestro de bens como imóveis e veículos de luxo
- Organização criminosa, peculato, estelionato contra União, crime contra a ordem tributária e falsidade ideológica
- 12 anos de prisão é o tempo que chega as penas
- 124 policiais federais e servidores da Controladoria Geral da União participaram da ação
- 14 mandados de prisão temporária
- 37 mandados de busca e apreensão
- 3 estados tiveram ações: São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal
Criada no governo Fernando Collor (PTC/AL), em 1991. A legislação permite a captação de recursos para projetos culturais por meio de incentivos fiscais para empresas e pessoas físicas. Na prática, por exemplo, a Lei Rouanet permite que uma empresa privada direcione parte do dinheiro que iria gastar com impostos para financiar propostas aprovadas pelo Ministério da Cultura para receber recursos
Os passos
- Artista ou empresa apresenta projeto de captação ao Ministério da Cultura
- Ministério e comissão formada por representantes de artistas e empresas avaliam a proposta
- Após aprovação, o artista vai em buscar de apoio de empresas ou pessoas, que podem contribuir financeiramente com 30% a 100% do valor do projeto
- Em troca, esse apoiador tem o direito de deduzir o valor do imposto de renda devido
- 4%, no máximo, para empresas
- 6%, no máximo, para pessoas físicas
- 100 mil projetos obtiveram autorização para captar via Lei Rouanet até abril deste ano
- 47 mil fizeram captação efetivamente
- R$ 15 bilhões foram investidos neles
- 83% dos projetos apresentados foram aprovados, segundo o Ministério da Cultura