O milagre dos pães

Publicação: 27/08/2016 03:00

Adentro os corredores da história, regressando à ditadura militar instaurada em 1964; paro em 1968 (não me recordo o mês). Lembro-me apenas que João Olímpio acabara de ser eleito presidente do Diretório Acadêmico do curso clássico do Ginásio Pernambucano.

A cidade do Recife estava fedendo a medo. Medo da violência dos golpistas, medo da morte, medo político. Naquele dia a sanha dos policiais tinha um alvo: os alunos de esquerda do Ginásio Pernambucano, grande risco corria o estudante Paulo Pontes da Silva.

Um telefone anônimo avisara-me de que a Polícia Civil iria prendê-lo. Tratava-se de um líder estudantil, valente e sobretudo consciente do papel que a história lhe reservara.

Eu sabia que Paulo Pontes estava no Ginásio Pernambucano; não me era possível ir avisá-lo. Recorri a um amigo, famoso professor de português, que se comprometeu a ir ao Ginásio avisar o que aguardava o jovem idealista. Prometi ao querido mensageiro jamais revelar o seu nome; direi apenas um dos maiores professores de português do Recife.

Ao chegar ao Ginásio, o velho mestre percebeu que os estudantes já estavam cientes das intenções dos agentes do Dops, alertando-os de que tivessem prudência e de que o Ginásio já estava cercado pela policia; e retirou-se.

João Olímpio, que acabara de assumir o Diretório, não fechava com as esquerdas sem a opressão do medo, convenceu o pai – o então deputado estadual João Olímpio – a retirar o colega – seu opositor – da enrascada.

Paulo deitou-se no piso da parte traseira do automóvel do deputado, e tanto o assento do carro quanto Paulo foram cobertos de pães. O deputado dirigiu o veiculo com tranquilidade; Paulo escapou com segurança, para continuar perseguindo o ideal em que acreditava.

0 pão repetia o milagre bíblico: ontem, multiplicou-se para mitigar a fome dos seguidores de Cristo – “Eu sou o pão da vida” (Jesus; São João – cap. 6, v. 35).

“Jesus tomou o pão na última ceia, abençoando-o o partiu e deu aos discípulos:

“Tomai e comei; isto é o meu corpo” (Mateus, cap. 26-26).

E em 1968, naquele momento histórico, incorporou-se ao jovem arauto da liberdade para conservar-lhe a vida.

[texto do livro incompleto e inédito Justiça em pauta]