Quando o Maracanã se calou para o Santa... Na segunda reportagem da série, relembramos a vitória sobre o Flamengo em 1975, que levou o time para a semifinal do Brasileiro

Diego Borges
Especial para o Diario
esportes@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 09/05/2020 00:30

Rio de Janeiro, 4 de dezembro de 1975. Era a última rodada da terceira fase da quinta edição do Campeonato Brasileiro desde a unificação. Com 12 pontos, o Flamengo liderava o Grupo B e jogaria no Maracanã, dependendo apenas de um empate para garantir uma das duas vagas da chave para a semifinal. Porém, do outro lado havia um Santa Cruz pronto para contrariar a lógica e alcançar o seu ponto máximo na história do futebol brasileiro.

Era o auge do futebol tricolor, que recentemente havia concluído o estádio do Arruda e conquistado o pentacampeonato pernambucano, em 1973. Mantendo peças importantes daquela campanha, como o meio-campista Givanildo Oliveira e o centroavante Ramon, o time era o vice-líder do Grupo B, avançando as fases com 12 vitórias, 10 empates e apenas cinco derrotas. Mas era preciso vencer no Maracanã para chegar às finais.

E logo quando a bola rolou, o cenário refletia o favoritismo. O Flamengo não se acomodou com a vantagem e partiu pra cima, sobretudo com Zico no meio de campo, que ocupava Givanildo na marcação e evitava a sua saída para o jogo. Duas oportunidades vieram aos 14 minutos, com o Galinho acionando Paulinho, que finalizou para fora, e o goleiro Jair fechando o canto de Luisinho. A Cobra Coral era acuada no canto e não seria uma tarefa fácil de reverter.

Mas enquanto se resguardava, o Santa Cruz armava o ataque. E depois de segurar o ímpeto dos rubro-negros, começou a sair para o jogo, com a formação clássica que enche os olhos de qualquer torcedor que viu à época: Givanildo e Carlos Alberto iniciando as jogadas, Mazinho armando no meio de campo, Ramon flutuando no ataque, e as investidas dos pontas Fumanchu e Pio. “Esse time jogava muita, mas muita bola mesmo. Era imbatível”, resgata Dirceu Paiva, à época diretor administrativo do clube e hoje guardião da sala de memórias do clube.

E aos 26, o primeiro bote venenoso. “Pio cruzava muito bem. Numa falta pela esquerda, eu estava frente para o gol. Quando cabeceei, ela foi no lado esquerdo de Cantarelli e ele se jogou, mas não alcançou. A bola bateu na trave e voltou no meio do gol. Eu caí no lance, mas já com os braços pra me levantar. E ela voltou pra mim. Só encostei, porque se vai com força, poderia subir”, detalha Ramon, responsável por abrir o placar no Maracanã.

Porém, no minuto seguinte, um revés. Em jogada pelo meio, Zico entrou na área e Jair ganhou a melhor na bola travada. Jogada limpa, exceto para o árbitro Oscar Scolfaro, que marcou pênalti, convertido pelo camisa 10. “Foi um lance estranho. Tanto que os jogadores do Flamengo continuaram a jogada. Mas isso era bem conhecido na época e a gente sabia que tinha que fazer uma diferença muito grande pra ganhar deles”, conta o centroavante.

Um Santa perfeito

Veio então o segundo tempo e outros dois golpes. Por lesão, o time perdeu Pio em jogada com Junior ainda na primeira etapa, e depois o ‘Deus de Ébano’ Mazinho, em lance que os tricolores descrevem como “covardia” do zagueiro Luís Carlos, aos 19 minutos. Porém, mesmo com um a menos em campo na ocasião, Givanildo enfiou uma bola para Ramon, que após tabelar com Fumanchu, marcou mais um. “Não foi nem tanto falha do goleiro. Eu peguei no contrapé sem tanta intenção, mas a bola seria prensada pelo zagueiro, e eu mudei o lado do chute na hora e deu certo”, descreve Ramon.

Faltava o bote final. E ele veio como uma espécie de vingança. Volnei, que substituiu Mazinho, ganhou a sobra de uma bola aérea dividida, carregou para a grande área, escorregou, mas levantou e bateu rasteiro no canto direito, aos 41. O cenário do Maracanã fez o repórter Adonias de Moura, enviado pelo Diario de Pernambuco ao Rio de Janeiro, comparar ao gol do uruguaio Ghiggia na Copa do Mundo. “O silêncio que cobriu a catedral do futebol brasileiro fez recordar aos mais velhos que se encontravam no Maracanã, a tarde de julho de 1950, quando o Brasil foi derrotado pelo Uruguai.”

A vitória por 3 a 1, por força de regulamento, deu três pontos e a liderança ao Santa Cruz, que teve a vantagem de jogar em casa a semifinal do Brasileirão. Na chegada ao Recife, o time foi recebido com carreata e festa no Aeroporto dos Guararapes. O time acabou a campanha em quarto lugar. Eliminado no Arruda pelo Cruzeiro. Por sua vez, os mineiros perderam o título para o Internacional, mas se sagrariam campeões da Libertadores no ano seguinte, mudando apenas duas peças na escalação que venceu no Arruda.

Curiosidades

Devido ao televisionamento direto da partida entre Flamengo x Santa Cruz, a rodada do Torneio Maranhense que seria disputada na quinta-feira, dia do jogo, foi adiada para o dia seguinte. Moto Club x Ceub, Sampaio Corrêa x CSA.

Após a vitória, o pernambucano Ademir de Menezes (Queixada), ídolo na Seleção Brasileira, esteve presente para dar os parabéns aos tricolores. “Estou aqui porque meu coração é pernambucano. Nunca desejei tanto a derrota do Flamengo como hoje. Vou dar um abraço em Paulo Emílio e nos meninos”.

O bicho pago no vestiário foi de Cr$ 1,4 mil pela vitória e R$ 5 mil pela classificação. Volnei teve o passe comprado na véspera do jogo contra o Flamengo, com o Santa pagando os primeiros Cr$ 50 mil e parcelando os outros Cr$ 200 mil em 10 vezes. Mazinho também tinha acertado a renovação por mais um ano com o Santa Cruz, por Cr$ 200 mil antes mesmo da goleada por 4 a 1 sobre o Náutico.

A classificação do Flamengo era dada como certa não apenas pelos torcedores cariocas como também pela própria CBD, antiga CBF, que havia tabelado os horários e os preços de ‘rodada dupla’ para as semifinais de Flamengo x Cruzeiro e Fluminense x Internacional.

A campanha

Primeira fase

11 jogos
3 vitórias
5 empates
3 derrotas

Segunda fase
10 jogos
5 vitórias
4 empates
1 derrota

Terceira fase
7 jogos
5 vitórias
1 empate
1 derrota

Semifinal

Santa Cruz 2 x 3 Cruzeiro