Dad Squarisi
Publicação: 02/02/2014 03:00
Rolezinho da língua
A juventude faz parte da paisagem brasileira. Bonita, transada e, sobretudo, conectada, a moçada tem código próprio. Comunica-se pelas redes sociais. Cria ídolos. Bola programas. O mais quente é o rolezinho. Rolezinho? A palavra andava meio esquecida. Mas entrou na moda com força total. A rapaziada combina encontros em shopping centers. São centenas de moços e moças cujo objetivo é se divertir.
Tão surpreendente fenômeno provocou reações. Assustados, lojistas fecharam as portas. A polícia, atônita, partiu pra cima. Resultado: os rolezinhos ganharam manchetes de jornais, rádios e tevês. E, claro, levantaram dúvidas. Uma delas: a pronúncia. A outra: a grafia. A coluna, atenta, joga luz no mundo cinzento do sabe lá o quê.
Como é que se diz?
O Vocabulário ortográfico da língua portuguesa (Volp), o Houaiss e o Aurélio registram rolé e rolê. Mas dão significados diferentes à dupla. Com a palavra, o pai de todos nós:
Rolé: usa-se na expressão dar um rolé. Quer dizer fazer um pequeno passeio, dar uma voltinha. No diminutivo, mantém o significado. Mas se refere ao vai e vem dos jovens que se reuniam em praças e, agora, nos templos do consumo.
Rolê: a fechadinha vem do francês roulé. Na língua de Descartes, significa enrolado. Daí o bife rolê. Daí também o rolê do capoeirista — de costas para o adversário, o atleta se desloca pelo chão, agachado, com o apoio de mãos e pés.
Resumo da história: rolezinho joga no time de cafezinho. O e se pronuncia do mesmo jeito — sem tirar nem pôr.
Com que cara?
A grafia de rolezinho trouxe à tona duas questões. Uma: por que se escreve com z? A outra: por que perdeu o acento? As respostas são velhas como o rascunho da Bíblia, o andar pra frente e as promessas de político. Mas, de tão antigas, parece terem caído no esquecimento. Nem a escola se lembra delas. Pode? Valha-nos, Deus!
A ponte
O prefixo formador de diminutivos é -inho. Pra cumprir o papel que lhe cabe, enfrenta dificuldades. Trata-se do finzinho das palavras:
1. Se o vocábulo acaba com z, o dissílabo nada de braçadas — cola-se à lanterninha do alfabeto: rapaz (rapazinho), nariz (narizinho), matriz (matrizinha).
2. Se tem s no radical, a moleza continua. Ele junta os trapinhos sem dificuldade: casa (casinha), mesa (mesinha), camisa (camisinha), pesquisa (pesquisinha), tênis (tenisinho), simples (simplesinho).
3. Sem uma coisa nem outra, a saída é pedir socorro. Pra se colar ao radical, o -inho precisa de uma ponte. A língua lhe oferece o z — conhecida por consoante de ligação: rolé (rolezinho), pai (paizinho), passeio (passeiozinho), trator (tratorzinho), jovem (jovenzinho), jardim (jardinzinho).
Xô, acento
A língua nossa de todos os dias tem três acentos — o agudo (´), o grave (`) e o circunflexo (^). O grave só se usa na indicação de crase (vou à cidade, trabalha à beça, fiel à família). Os outros dois indicam a sílaba tônica da palavra. É ele, por exemplo, que diz qual a fortona de sábia e sabiá.
Ora, a sílaba tônica de rolé é lé. De rolezinho, zi. Sem função, a alternativa do agudo é meter o rabinho entre as pernas e cair fora. Sobram exemplos: café (cafezinho, cafezal), país (paisinho), lápis (lapisinho), lâmpada (lampadazinha), fósforo (fosforozinho), tênis (tenisinho), vovó (vovozinha), vovô (vovozinho).
Leitor pergunta
Sou técnico judiciário do TRF 1ª Região e, durante o trabalho, surgiu uma dúvida sobre a concordância dos particípios. Eis a questão: devemos escrever "juntado aos autos os documentos" ou "juntados aos autos os documentos"? "Juntada aos autos as informações" ou "juntadas aos autos as informações"?
Jefferson Franco Silva, Brasília
O particípio, Jefferson, apesar da pose, não goza de privilégios. Concorda em gênero e número com o substantivo a que se refere: juntado aos autos o documento, juntados aos autos os documentos, juntada aos autos a informação, juntadas aos autos as informações, feito o trabalho, feitos os trabalhos, dada a circunstância, dadas as circunstâncias.
E por aí vai. Vá em frente.
"Tanto peca o que diz frases latinas diante de quem as ignora como o que as diz ignorando-as." Cervantes
A juventude faz parte da paisagem brasileira. Bonita, transada e, sobretudo, conectada, a moçada tem código próprio. Comunica-se pelas redes sociais. Cria ídolos. Bola programas. O mais quente é o rolezinho. Rolezinho? A palavra andava meio esquecida. Mas entrou na moda com força total. A rapaziada combina encontros em shopping centers. São centenas de moços e moças cujo objetivo é se divertir.
Tão surpreendente fenômeno provocou reações. Assustados, lojistas fecharam as portas. A polícia, atônita, partiu pra cima. Resultado: os rolezinhos ganharam manchetes de jornais, rádios e tevês. E, claro, levantaram dúvidas. Uma delas: a pronúncia. A outra: a grafia. A coluna, atenta, joga luz no mundo cinzento do sabe lá o quê.
Como é que se diz?
O Vocabulário ortográfico da língua portuguesa (Volp), o Houaiss e o Aurélio registram rolé e rolê. Mas dão significados diferentes à dupla. Com a palavra, o pai de todos nós:
Rolé: usa-se na expressão dar um rolé. Quer dizer fazer um pequeno passeio, dar uma voltinha. No diminutivo, mantém o significado. Mas se refere ao vai e vem dos jovens que se reuniam em praças e, agora, nos templos do consumo.
Rolê: a fechadinha vem do francês roulé. Na língua de Descartes, significa enrolado. Daí o bife rolê. Daí também o rolê do capoeirista — de costas para o adversário, o atleta se desloca pelo chão, agachado, com o apoio de mãos e pés.
Resumo da história: rolezinho joga no time de cafezinho. O e se pronuncia do mesmo jeito — sem tirar nem pôr.
Com que cara?
A grafia de rolezinho trouxe à tona duas questões. Uma: por que se escreve com z? A outra: por que perdeu o acento? As respostas são velhas como o rascunho da Bíblia, o andar pra frente e as promessas de político. Mas, de tão antigas, parece terem caído no esquecimento. Nem a escola se lembra delas. Pode? Valha-nos, Deus!
A ponte
O prefixo formador de diminutivos é -inho. Pra cumprir o papel que lhe cabe, enfrenta dificuldades. Trata-se do finzinho das palavras:
1. Se o vocábulo acaba com z, o dissílabo nada de braçadas — cola-se à lanterninha do alfabeto: rapaz (rapazinho), nariz (narizinho), matriz (matrizinha).
2. Se tem s no radical, a moleza continua. Ele junta os trapinhos sem dificuldade: casa (casinha), mesa (mesinha), camisa (camisinha), pesquisa (pesquisinha), tênis (tenisinho), simples (simplesinho).
3. Sem uma coisa nem outra, a saída é pedir socorro. Pra se colar ao radical, o -inho precisa de uma ponte. A língua lhe oferece o z — conhecida por consoante de ligação: rolé (rolezinho), pai (paizinho), passeio (passeiozinho), trator (tratorzinho), jovem (jovenzinho), jardim (jardinzinho).
Xô, acento
A língua nossa de todos os dias tem três acentos — o agudo (´), o grave (`) e o circunflexo (^). O grave só se usa na indicação de crase (vou à cidade, trabalha à beça, fiel à família). Os outros dois indicam a sílaba tônica da palavra. É ele, por exemplo, que diz qual a fortona de sábia e sabiá.
Ora, a sílaba tônica de rolé é lé. De rolezinho, zi. Sem função, a alternativa do agudo é meter o rabinho entre as pernas e cair fora. Sobram exemplos: café (cafezinho, cafezal), país (paisinho), lápis (lapisinho), lâmpada (lampadazinha), fósforo (fosforozinho), tênis (tenisinho), vovó (vovozinha), vovô (vovozinho).
Leitor pergunta
Sou técnico judiciário do TRF 1ª Região e, durante o trabalho, surgiu uma dúvida sobre a concordância dos particípios. Eis a questão: devemos escrever "juntado aos autos os documentos" ou "juntados aos autos os documentos"? "Juntada aos autos as informações" ou "juntadas aos autos as informações"?
Jefferson Franco Silva, Brasília
O particípio, Jefferson, apesar da pose, não goza de privilégios. Concorda em gênero e número com o substantivo a que se refere: juntado aos autos o documento, juntados aos autos os documentos, juntada aos autos a informação, juntadas aos autos as informações, feito o trabalho, feitos os trabalhos, dada a circunstância, dadas as circunstâncias.
E por aí vai. Vá em frente.
"Tanto peca o que diz frases latinas diante de quem as ignora como o que as diz ignorando-as." Cervantes