Dicas de português

Publicação: 04/05/2014 03:00

Leitores à beira de um ataque de nervos

As pessoas compram jornal pra não ficar de fora. Querem saber as notícias da cidade, do país e do mundo. Novidade? Não. Até as pedras conhecem a motivação que leva homens e mulheres a assinar periódicos ou a comprá-los em bancas. O surpreendente é a informação sobre a internet. Mais de 80% dos navegadores buscam informação. Não só. Os consumidores do texto impresso ou do digital têm outro ponto em comum — a exigência de qualidade.

O papel e a tela aceitam tudo? Aceitam. Mas o leitor não. Bobeia quem pensa que ele engole o prato sem mastigar. Não engole. Ele impõe condições. Entre as tantas exigências, sobressai o português correto. Nada justifica tropeços de ortografia, flexões, concordâncias, regências. Erros pegam mal. Desacreditam o conteúdo, o repórter e o veículo. Valha-nos, Deus. Quer exemplos? Com a palavra, leitores e internautas:

Relax & cia.

Apreciador de suas observações acerca de erros do Correio Braziliense, registro-lhe (caso tenha passado despercebido) o conteúdo da coluna Fama, de 30 de abril. Na nota "Momento relax", Gisele Bündchen, sem "exitar", pratica ioga." (Diniz de Oliveira Imbroisi)

Ops! Trata-se de descuido pra lá de comum. Talvez por causa da semelhança de sons, muita gente confunde a grafia de êxito e hesito (do verbo hesitar). Foi o caso do repórter. Bastava consultar o dicionário para escapar da cilada. O pai de todos nós não registra "exitar". Sem o verbete, acende-se a luz: o verbo não existe. Mas hesitar está lá, firme, forte e à disposição — louquinho pra servir.

Indigestão

Roberto Barreto, da mineira Ipatinga, navegava na internet. Interessou-se por notícia do G1.com. Ei-la: "Pizza Brazuca, criada por Grazia Fraschini, é eleita a melhor do mundo em campeonato na Itália. A receita leva berinjela marinada, tomate seco, mussarela de búfala e rúcula orgânica, além de um toque especial com azeite de oliva apimentado, preparado por ela mesmo".

Adeus, apetite! Adeus, gula! Pizza preparada com "mussarela"? Dá indigestão. Nenhum dicionário abona a grafia com ss. O queijo que acompanha a delícia italiana tem duas grafias. Uma: muçarela — com ç sim, senhor. A outra: mozarela. Ambas corretas. Ambas gostosas. Qual a preferível? A que está na boca do povo. É muçarela.

"Preparado por ela mesmo"? Nãoooooooooo! Mesmo, quando reforça nome ou pronome, concorda com o o termo a que se refere: O molho é preparado por ela mesma. O molho é preparado por elas mesmas. O molho é preparado por ele mesmo. O molho é preparado por eles mesmos. Nós mesmos (mesmas) comentamos o fato. O pai mesmo fez o trabalho.

Isto e aquilo?

O Diário de Pernambuco e outros jornais fazem companhia a revistas, blogues e sites. Ora escrevem necrópsia, ora necropsia. Sou perito papiloscopista. A presença ou a ausência do acento me deixam inseguro. Qual a grafia correta? Serão as duas? (Paulo Nogueira)

Relaxe, Paulo. O Vocabulário ortográfico da língua portuguesa (Volp), maior autoridade no assunto, registra as duas formas. Faça a sua escolha. Não há erro.

Pergunta embaraçosa

"O que seu bairro vai ser quando crescer?", pergunta manchete do caderno Gerais, do Estado de Minas. Há tempos, ouvi (ou imagino ter ouvido) um professor dizer que não se deve usar o "o" em frases como a publicada no jornal. O correto seria, então: "Que seu bairro vai ser quando crescer?" Me acuda, por favor, suplica Amaury Machado.

No duro, no duro, Amaury, o ozinho é desnecessário. Mas a eufonia o impõe. Daí por que clássicos da língua portuguesa o usaram sem cerimônia. "O que sois?", pergunta Gonçalves Dias. "O que será, padre?", indaga Garrett. "O que será feito de Frei Timóteo?", questiona Alexandre Herculano.

O povo sabido adota o o porque a frase soa melhor. Leia a pergunta da manchete em voz alta — com o e sem o. Qual lhe parece melhor? Escolha-a. É acertar ou acertar.

Mas há casos em que não há escolha. Numas perguntas, o o não cabe. Veja: Que horas são? Que dia é hoje? Que remédio você tomou contra a gripe. Que queres?
Noutras — quando o quê vem depois do verbo —, o o se impõe: Você disse o quê? Pediremos o que no encontro com o diretor? Eles recomendaram o que para os estudantes em recuperação?

Recado

“A poesia não é apenas um gênero literário, mas uma filosofia, um modo de saber de mim, dos outros e do mundo.” Mia Couto