As diferenças têm cor, idade e endereço "Uma pessoa trabalha muito mais e ganha menos que um salário mínimo. Isso é injusto", Jameson Fernando, 16 anos de idade e morador do bairro da várzea

Publicação: 27/08/2016 09:00

Jameson Fernando tem 16 anos e o sonho de ser psicólogo, porém, ainda sem tanta certeza. Morador do bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife, intercala os estudos do ensino médio com as peladas na rua com os colegas. “Eu espero viver tempo suficiente para fazer tudo que gosto: estudar, jogar bola, ajudar minha família... tudo isso”. O sonho dele é comum, dividido com muitos dos companheiros de pelada e colegas de classe.

Jameson faz parte do principal grupo de risco de morte não natural. Em Pernambuco, um jovem negro tem 11,57 vezes mais chances de ser morto do que um branco. O terceiro maior risco do Brasil, segundo o último Índice de vulnerabilidade juvenil à violência e desigualdade racial.

A nove quilômetros da Várzea, no bairro da Madalena, Zona Norte do Recife, Rosália Aguiar foca nos cuidados com o corpo para seguir com uma vida saudável. Prática que vem desde os 20 anos - com ginástica que deu lugar à aeróbica e aos alongamentos por décadas - e a fez chegar bem aos 87 anos, muito além da longevidade média do recifense, estimada em 74,5 anos. “Fazia tudo sem motivo específico, para me cuidar. Há uns quinze anos, já por indicação médica, eu e meu marido começamos a fazer caminhadas, musculação e esteira, por um melhor condicionamento. Há mais de dois anos, pratico ioga”, conta a aluna exemplar, que sabe decorados todos os movimentos da aula. Serena, diz que a quantidade de anos vividos não preocupa, mas “a qualidade de vida que terei até lá”.

Em comum, Jameson e Rosália  têm os planos de vida, seja encarando de frente a maturidade ou buscando amadurecer. As diferenças, no entanto, são mais acentuadas e podem ser determinantes.

Branca, classe média e moradora de um bairro nobre, Rosália integra o grupo demográfico mais distante possível no qual reside Jameson.

“Jovens do sexo masculino, de faixa escolar mais baixa, das famílias mais carentes, negros e pardos, estão mais expostos a homicídios como também à prática de crimes dolosos contra a vida. A pobreza, o desemprego, a baixa escolaridade e a ausência de políticas públicas para a juventude, em particular em favelas e periferias, agravam o cenário da violência”, aponta a professora do mestrado em direitos humanos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Ana Maria Barros.

Sem acesso a serviços públicos ou perspectivas de vida nas chamadas “áreas de interesse social”, o que reduz naturalmente a expectativa de vida, esse grupo acaba ainda mais exposto à violência. Nesse sentido, a desigualdade é um elemento que aprofunda o problema social e que expõe as camadas sociais mais pobres. Para o doutor em sociologia da UFPE Nadilson Silva, a carência da presença do estado e de oportunidades tem como consequência mais grave o crescimento da criminalidade.

“O Estado é, sem dúvida, papel fundamental nessa situação, pela falta de investimento, pelo desequilíbrio de oportunidades, que gera frustração e faz as pessoas buscarem  outros mecanismos para conseguir mudar, muitas vezes, desrespeitando as normas”, opina Nadilson Silva, acrescentando que mesmo políticas compensatórias como o Bolsa Família, diante de cenário de crise econômica acabam sendo insuficientes.

“Não posso me queixar dos meus 87 anos de vida porque continuo com meus sonhos e a enfrentar os desafios no meu caminhar”, diz Rosália, ao falar de realizações.

No outro lado da cidade, Jameson define “desigualdade”: “uma pessoa ganha um salário mínimo e a outra que trabalha mais, muito mais, ganha bem menos que um salário mínimo. Essa é a diferença. Isso é uma coisa injusta”, pondera, ainda sem se dar conta que os ganhos mensais, no seu “caminhar”, ainda podem ser um dos menores desafios.

Além da gestão
“O Recife cresceu desigual. Entre as décadas de 1950 e 1970, por exemplo, a população quase dobrou. A cidade recebeu levas de pessoas e evidentemente não estava preparada para isso”, aponta o secretário de Planejamento e Gestão da Prefeitura do Recife, Antônio Alexandre, ressaltando que não é algo superável em “quatro ou oito anos” (ou seja, em dois mandatos de prefeito). “É preciso uma estratégia de ação que vá além da gestão”.

Prevenção que agride
Como se não bastasse a ausência de oportunidades, há a falta de ação do Estado. Quando ela ocorre, geralmente é recebida como repressão. O Estado é aquele que faz a distribuição das políticas públicas e o sociólogo Nadilson Silva destaca que elas falham por não se voltarem à prevenção da violência nas periferias e favelas.

“Em localidades pobres, a polícia é vista mais como um mecanismo agressor que como provedora de segurança. Ela vai para agredir, para matar. Não há trabalho de prevenção por parte do estado em localidades pobres, mais suscetíveis a isso”, alerta.

O tempo que é outro
  • Expectativa de vida Pernambuco: 73 anos
  • Expectativa de vida Recife: 74,5 anos
  • Expectativa de vida Brasil: 74,9 anos
  • Jovem negro tem 11,57 vezes mais chance de forma não natural que o branco
  • Pernambuco é o terceiro do país no ranking de vulnerabilidade e desigualdade racial
  • IDHm Recife: 0,734
  • Educação: 0,662
  • Renda: 0,736
  • Longevidade: 0,813
Na segunda-feira: A DESIGUALDADE NA EDUCAÇÃO
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