Publicação: 27/08/2016 09:00
O Poço da Panela é um bairro que possui um dos metros quadrados mais caros do Recife. A renda dos moradores também é acima da média. De acordo com dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) 2014, o rendimento médio de um domicílio no local é de R$ 9,3 mil, bastante superior à média da capital, de R$ 3,7 mil. Ao andar por suas ruas, enxerga-se uma região tranquila, que chama a atenção por grandes casas e condomínios residenciais. Na área, e com o mesmo nome mas realidade diferente, também há uma “comunidade” de baixa renda, fazendo do bairro um elegante retrato da desigualdade.
Laura Ferraz, 46, mora no Poço, numa casa de 400 m2, junto ao cão da raça rottweiller Kalil Max. Nascida em Petrolina, em uma família de nove irmãos, veio ao Recife aos 16 para estudar, com ajuda do pai advogado, profissão da qual atualmente tira o sustento. Conta que a família vivia bem no Sertão, mas conquistou tudo com fruto do próprio esforço. Credita o padrão de vida à formação em serviço social, direito, além de cinco pós-graduações, pagas, desde os 18 anos, com ganhos do trabalho.
Ainda em início de carreira, Laura foi empregada por uma ONG alemã associada a jesuítas, no interior do Rio Grande do Norte, que lhe rendia alto salário pago em dólares, suficiente para permitir a evolução profissional do resto da vida. “Aos 22 anos, retornei ao Recife e comprei um apartamento nas Graças com o dinheiro que havia juntado”, conta. Desde então, adquiriu apartamento e casa no Poço, e residência de fim de semana em Aldeia, Camaragibe.
A algumas dezenas de metros de sua morada, as características de subúrbio vão ganhando destaque. Casas mais simples, menores e ampliadas de modo quase sempre improvisado. Foi onde Erenice Campos, a Nize, 39, nasceu e criou as filhas Milena, 18, e Amanda, 4. Há poucos anos, era doméstica - “lavava, passava, cozinhava e era babá” - e o salário era somado ao do marido, o pedreiro Adeildo, 54. Conta que o pessoal de lá (da parte nobre do bairro) “não é metido” e, de modo geral, trata todos com respeito. As diferenças são estruturais. “Quando quebra algum encanamento público, é dois, três dias pra consertar. Lá é diferente. Energia quando cai, aqui demora mais também e o policiamento fica mais no lado de lá”, explica.
Para o economista Raul Silveira, a desigualdade é uma característica comum às regiões metropolitanas, e o Recife não foge disso. “São locais que concentram, de um lado, os indivíduos mais qualificados (com os maiores salários) e proprietários de capital (empresários) e, de outro, tendem a atrair indivíduos com baixa qualificação, a quem são oferecidas oportunidades de emprego, sobretudo, no setor de serviços”, aponta. De acordo com ele, na Região Nordeste a situação se agrava por conta da pobreza histórica e dos contrastes mais acentuados.
Nesse sentido, o Recife amplia o diagnóstico do país. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015, os 10% mais pobres do Brasil possuem renda per capita de R$ 256, enquanto os 10% mais ricos, R$ 7.154 - o 1% do topo, R$ 20.364.
Mudar essa realidade exige ações dos poderes públicos. Para isso, Silveira destaca investimentos em educação e, sobretudo, ações de curto prazo como a transferência de renda via Bolsa Família. No estado, ações de melhoria no ensino, a exemplo de escolas integrais. “De fato, tanto a qualidade do ensino federal quanto a do estadual têm melhorado, embora não na velocidade necessária para redução acentuada das desigualdades”.
Consenso entre os especialistas ouvidos, a desigualdade, somada à insuficiência da poder público em prestar serviços básicos, contribui para a segmentação drástica do mercado - o que acaba enfrentado por ações particulares e realimentando as diferenças. No entanto, com contextos culturais distintos, moradores de diferentes classes coexistem, sem, no entanto, compartilharem conceitos de “necessidade”.
Para Laura, ter uma boa condição financeira não significa cultivar hábitos extravagantes, mas fazer o que tiver vontade, a exemplo das tradicionais duas viagens anuais ao exterior ou da coleção de obras de artes espalhadas na sala e no terraço. Além disso, poder ter, dentro de casa, secretária, cozinheira, jardineiro e alguém para passear com Kalil. Basta para lhe satisfazer.
Hoje, Nize é a vendedora de espetinho “oficial” do Poço. Sextas e sábados, fica em frente à Igreja de Nossa Senhora da Saúde. “Vem gente de longe só pra comer espetinho e tomar o caldinho que faço”, conta orgulhosa, garantindo que, junto aos almoços vendidos ao longo da semana, a atividade triplicou a renda da família.
“A gente (a família de 10 irmãos) passava uma necessidade muito grande. Por isso, quis trabalhar, para ajudar dentro de casa”, lembra Nize, sobre o passado de trabalho “em casas de família” desde os 12 anos, fazendo questão de deixar a história distante da atual realidade, com casa reformada e eletrodomésticos “novinhos”. “Hoje, posso dizer que venci na vida, sou uma microempresária”.
Laura Ferraz, 46, mora no Poço, numa casa de 400 m2, junto ao cão da raça rottweiller Kalil Max. Nascida em Petrolina, em uma família de nove irmãos, veio ao Recife aos 16 para estudar, com ajuda do pai advogado, profissão da qual atualmente tira o sustento. Conta que a família vivia bem no Sertão, mas conquistou tudo com fruto do próprio esforço. Credita o padrão de vida à formação em serviço social, direito, além de cinco pós-graduações, pagas, desde os 18 anos, com ganhos do trabalho.
Ainda em início de carreira, Laura foi empregada por uma ONG alemã associada a jesuítas, no interior do Rio Grande do Norte, que lhe rendia alto salário pago em dólares, suficiente para permitir a evolução profissional do resto da vida. “Aos 22 anos, retornei ao Recife e comprei um apartamento nas Graças com o dinheiro que havia juntado”, conta. Desde então, adquiriu apartamento e casa no Poço, e residência de fim de semana em Aldeia, Camaragibe.
A algumas dezenas de metros de sua morada, as características de subúrbio vão ganhando destaque. Casas mais simples, menores e ampliadas de modo quase sempre improvisado. Foi onde Erenice Campos, a Nize, 39, nasceu e criou as filhas Milena, 18, e Amanda, 4. Há poucos anos, era doméstica - “lavava, passava, cozinhava e era babá” - e o salário era somado ao do marido, o pedreiro Adeildo, 54. Conta que o pessoal de lá (da parte nobre do bairro) “não é metido” e, de modo geral, trata todos com respeito. As diferenças são estruturais. “Quando quebra algum encanamento público, é dois, três dias pra consertar. Lá é diferente. Energia quando cai, aqui demora mais também e o policiamento fica mais no lado de lá”, explica.
Para o economista Raul Silveira, a desigualdade é uma característica comum às regiões metropolitanas, e o Recife não foge disso. “São locais que concentram, de um lado, os indivíduos mais qualificados (com os maiores salários) e proprietários de capital (empresários) e, de outro, tendem a atrair indivíduos com baixa qualificação, a quem são oferecidas oportunidades de emprego, sobretudo, no setor de serviços”, aponta. De acordo com ele, na Região Nordeste a situação se agrava por conta da pobreza histórica e dos contrastes mais acentuados.
Nesse sentido, o Recife amplia o diagnóstico do país. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015, os 10% mais pobres do Brasil possuem renda per capita de R$ 256, enquanto os 10% mais ricos, R$ 7.154 - o 1% do topo, R$ 20.364.
Mudar essa realidade exige ações dos poderes públicos. Para isso, Silveira destaca investimentos em educação e, sobretudo, ações de curto prazo como a transferência de renda via Bolsa Família. No estado, ações de melhoria no ensino, a exemplo de escolas integrais. “De fato, tanto a qualidade do ensino federal quanto a do estadual têm melhorado, embora não na velocidade necessária para redução acentuada das desigualdades”.
Consenso entre os especialistas ouvidos, a desigualdade, somada à insuficiência da poder público em prestar serviços básicos, contribui para a segmentação drástica do mercado - o que acaba enfrentado por ações particulares e realimentando as diferenças. No entanto, com contextos culturais distintos, moradores de diferentes classes coexistem, sem, no entanto, compartilharem conceitos de “necessidade”.
Para Laura, ter uma boa condição financeira não significa cultivar hábitos extravagantes, mas fazer o que tiver vontade, a exemplo das tradicionais duas viagens anuais ao exterior ou da coleção de obras de artes espalhadas na sala e no terraço. Além disso, poder ter, dentro de casa, secretária, cozinheira, jardineiro e alguém para passear com Kalil. Basta para lhe satisfazer.
Hoje, Nize é a vendedora de espetinho “oficial” do Poço. Sextas e sábados, fica em frente à Igreja de Nossa Senhora da Saúde. “Vem gente de longe só pra comer espetinho e tomar o caldinho que faço”, conta orgulhosa, garantindo que, junto aos almoços vendidos ao longo da semana, a atividade triplicou a renda da família.
“A gente (a família de 10 irmãos) passava uma necessidade muito grande. Por isso, quis trabalhar, para ajudar dentro de casa”, lembra Nize, sobre o passado de trabalho “em casas de família” desde os 12 anos, fazendo questão de deixar a história distante da atual realidade, com casa reformada e eletrodomésticos “novinhos”. “Hoje, posso dizer que venci na vida, sou uma microempresária”.
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