Além da aparência, impacto da escoliose é grande

Publicação: 14/12/2019 03:00

Do Litoral ao Sertão. A diversidade de pacientes atendidos pelo maior mutirão de escoliose em crianças e adolescentes realizado no Brasil se prestou a uma função social que só pode ser dimensionada pelas próprias crianças e adolescentes acometidos pelo desvio grave da coluna ou por suas respectivas famílias. Porque os danos nem sempre são vistos ou revelados. Do município de Sirinhaém (Mata Sul), Sthefane Maria, de 13 anos, convivia até esta semana com uma escoliose que chegava a 75 graus.

No leito do Otávio de Freitas, entre jovens que enfrentavam o mesmo problema de saúde, fez confidências sobre o quanto lhe marcou negar o convite da xará e amiga Sthefany para ser dama em uma festa de 15 anos, ao lado das demais garotas da mesma idade. A recusa tinha um motivo: o vestido era de ombros nus e destacava a aparência em forma de “s” da coluna dela. À distância, até parece privação esporádica, mas foi incorporada de maneiras diferentes à rotina das meninas que sofrem com a doença. Para Sthefane, a dúvida sobre as roupas que lhe caíam bem era rotineira; aquelas com modelo solto sempre prevaleciam.

Diferentemente da maioria dos demais pacientes, não sentia dor. Em contraponto, era poupada das atividades domésticas. “Eu queria muito ajudar minha mãe nos afazeres de casa, mas não consigo. Canso logo e não posso correr o risco de piorar”, explica a menina, sem demonstrar qualquer temor horas antes de ser levada à sala de cirurgia. “Na escola, é a mesma coisa. Não participo das atividades de exercício físico”. Diz que aprendeu a lidar com os frequentes questionamentos dos desconhecidos. “Descobri que era apenas ignorância”. Questionada se  incomodavam, serena, Sthefane baixou os olhos, e apenas respondeu que sim.

Poucas horas depois de operada na quinta-feira, Mariana Pessoa, 13 anos, já se dispunha a falar sobre o que foi e o que espera da rotina dela após a correção da coluna, antes prejudicada com a escoliose – problema que surgiu por volta dos 10 anos de idade. A ela, as pessoas falavam do “defeito” que viam. Tudo ficará para trás. “Quero estudar muito e me formar em Direito. Gosto muito de debater com os outros”. Ter sua autoestima elevada, considera, será de grande utilidade para quem pretende conquistar o protagonismo como futura advogada.

A mãe de Hebert Oliveira da Silva, de 12 anos, está esperançosa que a correção na coluna ajude o seu filho a sustentar a coluna. Com paralisia cerebral, sem força para segurar o corpo, nos últimos dois anos, desde que a escoliose começou a ser notada, Herbert faz gestos e barulhos, indicando a sensação de dor. Com fisioterapia e com orientação, a mãe deseja que a próxima conquista seja alguns “passinhos”.

Todos os 23 pacientes serão acompanhados no processo de recuperação, sendo reavaliados por meses seguidos. Seguirão  sessões de fisioterapia. A grande maioria ficará com a coluna com grau baixo e quase imperceptível de curvatura.

APOIO PÚBLICO

Dentro da coparticipação do governo do estado, foi preciso um minucioso planejamento por parte da coordenação do mutirão, feita pelo Brazilian Spine Study Group – organização nacional que trabalha para promover ensino, pesquisa e assistência a pacientes carentes. A Secretaria de Agricultura do estado disponibilizou um ônibus para transportar todos de uma vez só a fim de fazerem o exame de ressonância, conta Antônio Almeida, diretor-geral do Hospital Otávio de Freitas. “Em 30 dias, os exames e medicações foram realizados para então iniciarmos o internamento”.

O hospital fechou uma unidade de Centro de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica para os pacientes do mutirão e leitos da UTI de adulto para os jovens e foram disponibilizados medicamentos, equipamentos de alta geração e pessoal. Somente do Otávio de Freitas, 27 profissionais, incluindo o corpo de enfermagem e apoio cirúrgico. (Silvia Bessa)

O que é escoliose

Por Dr. Carlos Romeiro, ortopedista

“Escoliose é uma deformidade vertebral tridimensional que pode ocorrer em consequência de algumas doenças, como a paralisia cerebral, mas também pode surgir de causa desconhecida - que denominamos como idiopática. A idiopática é a mais comum de todas, representando cerca de 90% dos casos, acometendo 7 meninas para cada menino, o que sugere uma herança genética ligada ao sexo.
O pico aparece no período pré-puberal em torno dos 10 aos 13 anos de idade”

Rede de apoio

  • 8 empresas doadoras
  • 6 cirurgiões seniors
  • 9 cirurgiões convidados
  • 10 anestesistas
  • 4 neurofisiologistas
  • 4 assistentes de anestesistas
  • 27 profissionais do Otávio de freitas (enfermeiros, técnicos de enfermagem, técnicos de radiologia, burocratas, auxiliares de limpeza)
  • 8 Instrumentadores
  • 10 funcionários da Medtronic, empresa patrocinadora master
  • 86 pessoas no total envolvidas na ação