Contaminação está na origem Estudos mostram que ostras produzidas em Itapissuma carregam coliformes fecais em demasia e bactérias da espécie salmonela

Mariana Moraes
ESPECIAL PARA O DIARIO
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Publicação: 28/12/2019 03:00

As ostras criadas em viveiros no Canal de Santa Cruz, em Itapissuma, na Região Metropolitana do Recife, estão mais infectadas do que é permitido pelo limite da Vigilância Sanitária. A localidade, onde 25% da população é formada por pescadores, marisqueiras e ostreiros, é responsável pela maior parte desses pescados em Pernambuco.

Analisando a quantidade de sólidos totais do Canal, o que inclui bactérias como coliformes fecais, o resultado obtido é de 44.800 miligramas por litro (mg/l), número muito acima - mais precisamente 44 vezes maior do que o admitido pela Vigilância, que estabelece como teto 1.000 mg/l. Este dado foi divulgado, pela primeira vez, ainda em 2011, por meio de um levantamento feito por alunos de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pernambuco. Porém, a contaminação também foi confirmada neste ano, após a conclusão de um relatório realizado pela Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa) em conjunto com a Vigilância Sanitária de Itapissuma (Visa).

O pedido de averiguação foi feito pelo Ministério Público do Estado de Pernambuco e aconteceu entre janeiro e fevereiro deste ano, mas está sendo divulgado com exclusividade nesta edição. A Vigilância visitou endereços no Porto de Roseno; Beira Mangue e o Centro de Itapissuma. “A equipe de fiscalização foi impedida de coletar amostras em alguns cultivos, no entanto, a semelhança na metodologia e o local (Canal de Santa Cruz) do cultivo das ostras, apontam para mesmos resultados: presença de Salmonella spp. em 25g da amostra e presença de 43 NMP/g de coliformes termotolerantes (Escherichia coli)”, diz um trecho do relatório. Todas análises foram realizadas pela Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen – PE).

A salmonella, citada nos resultados das análises, é uma bactéria responsável por doenças como gastroenterite, uma infecção intestinal marcada por diarreia, cólicas, náuseas, vômitos e febre; septicemia, caracterizada por infecção na corrente sanguínea; e febre tifóide. Já os coliformes termotolerantes são os vulgarmente conhecidos como coliformes fecais, microrganismos capazes de causar febre paratifóide, disenteria bacilar e cólera.

“Fizemos a pesquisa pedida pelo Ministério Público e enviamos os resultados” afirma Josemaryson Bezerra, gerente geral da Apevisa. “Infelizmente não podemos fazer nada além disso. Não tem como este produto ser proibido por nós, a fiscalização destes criadouros fica por conta do Ministério da Agricultura, o que podemos fazer é monitorar o comércio. Acontece que é muito difícil de rastrear de onde vem o pescado, não podemos afirmar que as ostras vendidas estão vindo de Itapissuma. Também não podemos proibir que saiam pescados de lá, não queremos prejudicar ainda mais uma região que já sofreu com o derramamento de óleo.”

Ikaro Mendes, um dos alunos de que assina o estudo da UFPE, explica porque o canal em Itapissuma foi estudado: “Escolhemos Santa Cruz depois de termos aplicado vários questionários e termos descoberto que lá era o principal foco de cultivo, incluindo os criadouros privados e os naturais - geralmente são esses que são comercializados nas praias pernambucanas”, diz. “Sendo bem sincero, desde o dia que fizemos essa pesquisa que nem eu, nem meus amigos e família comemos mais ostra. Olhar os resultados de contaminação e saber sobre a biologia do animal (filtrador) evidenciou a importância de prestarmos mais atenção ao que ingerimos. Saber da procedência pode evitar casos extremos.”

Ikaro se refere ao empresário que morreu dias após ingerir ostras na praia de Boa Viagem, Zona Sul de Recife. “Ele deve ter ingerido umas 17 ostras. No dia seguinte a gente se encontrou em uma confraternização, ele não quis comer nada, disse que estava muito mal”, disse Silvio Amorim, presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano e amigo da vítima, no dia de sua morte. O empresário faleceu em um hospital de rede privada, na capital.

Investigação
Procurada, a Secretaria de Saúde do Recife disse que investiga, desde a última quinta-feira, um caso de morte por infecção exógena, mas não confirma ligação com o empresário, que não teve o nome divulgado em respeito à família.
 
Um alimento naturalmente perigoso
 
“As doenças causadas pela ingestão de frutos do mar podem ter duas causas: como estes animais são filtradores de água para se alimentar, podem reter toxinas (venenos) de algas e outros micróbios. Este tipo de envenenamento não é comum no Nordeste, mas já foram descritos algumas vezes em criações de ostras e mexilhões na região Sul, como em Santa Catarina”, explica o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista Vidal Haddad Junior, que estuda este tipo de agravo há 20 anos.

“O segundo mecanismo capaz de provocar a morte é a contaminação pela bactéria Vibrio vulnificus, que não raramente é encontrada em organismos aquáticos, pedras e até na água do mar.”  A Vibrio vulnificus, citada pelo médico, é uma espécie de bactéria conhecida por “comer carne”. Ela costuma se instalar em uma ferida e consumir o tecido ao seu redor até se espalhar rapidamente para o resto do corpo, o que mata cerca uma a cada sete pessoas infectadas.  

“A Vibrio provoca quadros gravíssimos de sepse, virtualmente fatais, após consumo de frutos do mar crus, especialmente ostras. Isso acontece de maneira especial em pessoas que têm problemas hepáticos ou outras imunodeficiências, mas já foi descrito em pessoas saudáveis, embora muito raramente. Obviamente, não é prevenível, nem culpa de ninguém, embora quem tenha problemas hepáticos ou imunodeficiências deva evitar comer ostras cruas”, completa o especialista.