200 ANOS DIARIO DE PERNAMBUCO - 1825 - 2025 » Dom Helder, uma história de fé e amor pelos pobres A primeira referência ao sacerdote no Diario de Pernambuco é do dia 15 de fevereiro de 1933, quando ele tinha 24 anos. Ao longo de sua trajetória, o jornal testemunhou a caminhada do religioso, desde o cargo de diretor de Instrução Pública do Ceará até os anos de tensão na Ditadura Militar, quando a aproximação do arcebispo com os movimentos sociais era vista com desconfiança. E, finalmente, o reconhecimento pelas palavras do Papa João Paulo II

JAILSON DA PAZ

Publicação: 21/09/2024 03:00

As letras miúdas escondem o que é o primeiro registro do nome de dom Helder Camara no Diario de Pernambuco. Com 24 anos, o então padre católico é citado na página destinada aos acontecimentos regionais. “Domingo próximo, às 15 horas, efetuar-se-á na residência do reverendíssimo padre Helder Camara uma reunião do professorado legionário, para outra explanação daquele sacerdote sob importante tema social”, relata a página 7, da seção Através do Nordeste, do dia 15 de fevereiro de 1933.

E o que seria o tal professorado? Era parte do Movimento Escolar Legionário, ligado à Ação Integralista Brasileira (AIB) e da qual o sacerdote se tornou membro em 1932. Anos mais tarde, o arcebispo classificaria a sua participação na AIB como “um erro de juventude”. De inspiração fascista e anticomunista, o integralismo tinha uma proposta pedagógica voltada para um civismo, inclinado para a religião, o que batia com o pensamento das principais autoridades eclesiásticas da época. Elas defendiam uma presença expressiva da igreja na sociedade e na educação brasileira.

A preocupação da hierarquia católica em interferir no ensino levou Helder ao cargo de diretor de Instrução Pública do Estado do Ceará, o equivalente hoje a secretário estadual. Como tal, o padre, segundo o Diario do dia 10 de janeiro de 1936, na página 4, informava que “pelo Baependy, chegou hontem (no Recife) o padre Helder Camara”, vindo de Fortaleza. O Baependy era um navio de carga e passageiros brasileiro, afundado no dia 15 de agosto de 1942 pelo submarino alemão U-507, no litoral sergipano em plena Segunda Guerra.

Antes, nos dias 9 de setembro e 4 de outubro de 1934, as edições do Diario de Pernambuco registravam a passagem do então padre indo e voltando para o Rio de Janeiro, pelo solo recifense. A caminho do Rio, o sacerdote, identificado como “líder integralista cearense”, aproveitou a permanência no Recife e promoveu um comício no Pátio do Paraíso. Na volta do Rio para Fortaleza, um repórter do jornal aproveitou a escala do flutuador da Panair e falou com o padre Helder.

As notícias da década de 1930 são uma pequena parcela do que o jornal pernambucano registrou sobre uma das maiores lideranças religiosas do país no século XX. Ao afastar-se do integralismo, o que ocorreu em 1937, e ao se dedicar prioritariamente à educação, com ele sendo diretor de Instrução Pública por cinco anos e posteriormente se mudando para o Rio, o sacerdote se envolveu em grandes ações e iniciativas da Igreja Católica. Entre elas, a fundação do Banco da Providência e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1952.

Nos anos 1960, as referências se intensificam nas páginas do Diario. A edição de 3 de março de 1963, na página 3, anuncia a “Sagração hoje à tarde do bispo auxiliar de Olinda e Recife”. Era um domingo. O novo bispo auxiliar seria o monsenhor José Lamartine Soares, que viria a ser auxiliar de dom Carlos Coelho e posteriormente, com a morte de dom Carlos, auxiliaria dom Helder por 21 anos na Arquidiocese de Olinda e Recife (1964-1985).

A partir de abril de 1964, poucos dias após o golpe civil-militar, as notícias centram no papel de dom Helder à frente da arquidiocese local. “Dom Helder chega à tarde de hoje e amanhã assumirá a arquidiocese”, estampa a manchete do sábado 11 de abril, A chegada e posse no dia 12, domingo, mobilizaram milhares de pessoas.

Em sua mensagem de posse, o novo arcebispo sinalizava para o que viria a ser o seu pastoreio e os olhares desconfiados sobre as suas posições sociais e políticas. “Ninguém se espante me vendo com criaturas tidas como envolventes e perigosas, da esquerda e da direita, da situação ou da oposição, antirreformistas ou reformistas”, pregou.

A partir daí, o rumo da história é conhecido.

Ao passar dos anos dos governos militares, dom Helder passa a ser visto como persona non grata por denunciar a tortura, defender os presos políticos e apoiar as pastorais e movimentos sociais. Isso o levou a ter o nome sabotado quatro vezes na disputa pelo Prêmio Nobel da Paz, na década de 1970 e depois foi obrigado, pelo Vaticano, a reduzir as viagens internacionais. A virada veio em 1980. Com a visita ao Recife, o papa João Paulo II o saudou como “irmão dos pobres. Meu irmão”. Os textos e as fotos do Diario de Pernambuco ajudam a entender tais histórias.

Linha do do tempo

1909
- Nasce no dia 07 de fevereiro, em Fortaleza (CE). Filho do casal João Eduardo Torres Câmara Filho, jornalista e guarda-livros, e Adelaide Pessoa Câmara, professora.

1923 - Ingressa no Seminário da Prainha de São José, em Fortaleza.

1931 - Ordenado padre no dia 15 de agosto, aos 22 anos, tendo precisado de uma autorização do Vaticano, pois a idade mínima exigida era de 24 anos.

1936 - Assume a diretoria de Instrução Pública do Estado do Ceará.

1952 - Transferido para a Arquidiocese do Rio de Janeiro, ajuda a fundar a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

1955 - Organiza o Congresso Eucarístico Internacional e cria o Banco da Providência São Sebastião, para auxiliar os pobres. 1964 - É Sagrado arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife em 12 de abril.

1970 -
Primeira das quatro indicações para o Prêmio Nobel da Paz. As outras foram nos três anos seguintes. Para barrar a vitória do arcebispo, o governo militar fez uma forte campanha de bastidores junto a empresários noruegueses.

1985 -
Torna-se arcebispo emérito, sendo substituído como titular da Arquidiocese por Dom José Cardoso Sobrinho. 1991 - Inicia o movimento contra a fome “Ano 2000 Sem Miséria”.

1999 - Morre no dia 27 de agosto, no Recife. 2015 - Recebe o título de Servo de Deus no dia 25 de fevereiro, quando a Santa Sé autorizou o processo de beatificação e canonização do religioso.