Marcas do passado pelas ruas do Recife
Como em uma revisita à história, neste 13 de maio, o DP encontrou imóveis que fazem lembrar a dor dos escravos e a luta dos abolicionistas
Jorge Cosme
Publicação: 13/05/2025 03:00
![]() | |
O edifício Senzala do Megahype tem um nome que nem a moradora sabe o motivo |
Senzala, Colônia, Casa Grande, Canavial. Esses são termos bastante associados ao período do escravismo em Pernambuco. Mesmo se tratando de um momento marcado por sofrimento e violações de direitos, muitos prédios no Recife carregam essas palavras em seus nomes.
Dos mais de 20 prédios residenciais e estabelecimentos comerciais encontrados que possuem palavras relacionadas ao período colonial, quase a totalidade fica em bairros da Zona Norte da cidade, como Aflitos, Graças e Casa Forte. Na Avenida 17 de Agosto, que cruza os bairros de Parnamirim, Santana, Poço da Panela e Monteiro, foram identificadas menções do tipo em nomes de ao menos quatro edifícios: Banguê, Senzala, Canavial e Casa Grande de Santana.
A reportagem identificou diferentes significados para a palavra “banguê”, como um tipo de engenho de açúcar ou propriedade rural com canaviais, padiola usada para transportar cadáveres de escravos e estrado para transporte do bagaço da cana. Banguê é também o nome do terceiro livro do “ciclo da cana-de-açúcar”, do escritor paraibano José Lins do Rego.
A psicóloga Maria Eduarda Brandão, de 29 anos, mora com o namorado no Senzala do Megahype, no bairro da Torre, também Zona Norte da capital. Ela diz ter considerado o nome do imóvel péssimo.“Quando a gente se mudou, ficou incomodado e chegou até a pesquisar sobre isso, mas sem muito sucesso sobre de onde vem o nome”, diz ao Diario de Pernambuco. Ela conta que o tema é um assunto comum entre os amigos que descobrem onde ela vive.
“A gente, inclusive, chama meu prédio só de ‘Megahype’, para não chamar de ‘Senzala’. Tipo, vamos no ‘Megahype hoje?’”, exemplifica.
O professor Marcus. J. M. de Carvalho, titular de História do Brasil da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e autor do livro “Liberdade, rotinas e rupturas do escravismo no Recife - 1822/1850”, enxerga esse fenômeno como uma naturalização da escravidão. Sobre a concentração de prédios com esse tipo de termo na Zona Norte da cidade, o professor lembra que são locais de ocupação pelas elites mais antigas.
Ele, entretanto, explica que a palavra “engenho” pode estar ligada simplesmente ao fato de naquele local ter funcionado esse tipo de estrutura industrial agrícola. “Engenho da Torre, Engenho Madalena, Caxangá, Engenho do Meio, tudo isso é nome de engenho mesmo. Às vezes, o nome desses edifícios vem de terrenos que pertencem a famílias descendentes disso”, comenta.
O pesquisador, entretanto, ironiza a existência de residenciais e comércios com palavras como “colonial” e “senzala”. “Senzala é de lascar. Eu não quero morar em uma senzala. É de um mau gosto, de uma falta de senso. A senzala é uma coisa assustadora, de condições terríveis”, diz.
![]() | |
A Casa José Mariano faz homenagem a um dos grandes abolicionistas de Pernambuco |
REFORMULAÇÃO
Tradicional motel no bairro da Guabiraba, na Zona Norte, o Soho Motel é conhecido mesmo pelo seu nome anterior - Motel Senzala. Em agosto de 2024, o estabelecimento, que tinha suítes com nomes como Pelourinho, Zumbi, e quartos Xica da Silva, Liberdade e Quilombo, passou por uma reformulação de marca. Segundo comunicado da Birôlab, empresa responsável pelo projeto, o “rebranding” reflete as transformações culturais da região do bairro de Casa Forte, “um reduto artístico, diverso e livre de tabus”.
“O antigo nome, que fazia referência a um passado colonial e excludente, deu lugar a um novo conceito inspirado no bairro londrino de Soho - símbolo de liberdade, pluralidade e respeito”, diz o comunicado. Segundo George Wanderley, gestor da Birôlab, o nome Senzala tinha outro intuito na época da fundação do motel, mas que se perdeu com o passar dos anos. “A criação do nome Senzala veio de uma situação inusitada. O antigo dono teve um embate com a mulher de Gilberto Freyre, que não queria um motel naquela região. Ele, então, decidiu colocar ‘Senzala’ como desaforo”, justifica. Gilberto Freyre foi um escritor e sociólogo recifense conhecido pela obra Casa Grande & Senzala.
ABOLICIONISTAS
Por outro lado, não faltam no Recife, imóveis que homenageiam figuras conhecidas pela pauta abolicionista. Em Casa Amarela, por exemplo, existe o Edifício Joaquim Nabuco. Considerado um importante personagem do período colonial, Joaquim Nabuco defendia a reforma agrária para que os negros tivessem como recomeçar suas vidas após a escravidão.
Ele também dá nome ao Palácio localizado na Rua da Aurora, na área central da capital, em que funcionou a Assembleia Legislativa de Pernambuco entre 1875 e 2017.
O bairro de Casa Forte tem o Edifício José Mariano. O nome faz alusão ao político que foi um dos fundadores do Movimento Abolicionista de Pernambuco e defendeu de forma acirrada a libertação de escravos. O prédio da Câmara Municipal do Recife é chamado Casa José Mariano. Outro homenageado, batizando um logradouro, é o abolicionista João Ramos - fundador do Clube do Cupim, que reunia centenas de pessoas que lutavam pelo fim da escravidão no estado. Tanto ele, como a entidade, podem ser lembrados por quem passa pelo bairro das Graças.