Preso relata abusos de Itaquitinga em livro
Acusação de detento é de que um dos "Gêmeos de Gaibu" teria assumido o papel de chaveiro da unidade e teria uma milícia interna de 40 homens
MARÍLIA PARENTE
Publicação: 05/07/2025 03:00
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O texto publicado é resultado do projeto Mentes Literárias, desenvolvido pelo CNJ |
Em texto publicado, recentemente, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um reeducando Presídio de Itaquitinga, localizado no Agreste de Pernambuco, relata que um dos “Gêmeos de Gaibu” estaria praticando tortura e extorsão contra outras pessoas privadas de liberdade. Ele seria “chaveiro” do Pavilhão B da unidade e andaria acompanhado por uma milícia de cerca de 40 homens.
Os “Gêmeos de Gaibu”, também conhecidos como “Gêmeos de Catende” e “Tudo Dois”, são uma facção criminosa liderada pelos irmãos Edcleibson João da Silva e Edcleidson Evilásio da Silva, ambos de 37 anos. Investigado por diversos homicídios, tráfico de entorpecentes, associação para tráfico e organização criminosa, o grupo ficou conhecido pela alta capilaridade de sua atuação em Pernambuco.
No estado, eles comandariam cerca de 20 mil homens, segundo apontam escutas realizadas durante inquérito da Polícia Civil de Pernambuco (PCPE). Edcleibson, conhecido como “Cleibinho”, foi preso no dia 27 de novembro de 2018 e atualmente está recolhido no Presídio Rorinildo da Rocha Leão (PRRL), em Palmares, na Zona da Mata.
Já Edcleidson, também chamado de “Evilásio” e “Mano”, está detido no Presídio de Itaquitinga desde o dia 15 de janeiro de 2019. A obra capitaneada pelo CNJ, intitulada “Deus e o Sistema Prisional”, é fruto de oficinas de escrita promovidas em abril deste ano pelo projeto “Mentes Literárias”, uma iniciativa do Conselho que promove a leitura como ferramenta de ressocialização e remição de pena.
Escrita no Presídio de Itaquitinga, a narrativa autobiográfica que menciona o comportamento de Edcleidson foi desenvolvida por um preso que conviveu com ele no Pavilhão C da unidade. “Estou há quase uma década preso, já vi e passei por muitas coisas dentro do sistema, já fui oprimido, fui vítima de várias covardias. Um outro preso, que tem o título de chaveiro e atende pelo apelido de “Gêmeos de Gaibu”, tem uma milícia montada dentro desta unidade prisional”, diz o texto.
Segundo o reeducando, Evilásio costumava espancar outros presos com barrotes. “Ele anda acompanhado de cerca de 40 homens. Eu fui uma vítima dele, fui ameaçado quando ele me perguntou: quem mandava no pavilhão? E eu falei que era a polícia. Me fez dizer que quem mandava no pavilhão era ele, me bateu e me colocou em uma cela de castigo, onde eu também vi colegas ‘meu’ sendo espancados e apanhando de barrote”, acrescenta.
O “gêmeo” também teria praticado extorsões na unidade. “Nós PPL [Pessoas Privadas de Liberdade] por muitas vezes fomos extorquidos por ele [...] Hoje é dia 26/04/2025, faz uns 40 dias que foi trocada toda a direção desta unidade, estou relatando isto porque sei que a nova direção não sabe do que já se passou antes da chegada dele”, completa.
REGENERAÇÃO
Para o reeducando, as diversas experiências de violência vivenciadas no sistema prisional dificultam a reinserção das pessoas privadas de liberdade na sociedade. “Fui preso, condenado a 10 anos e 6 meses, penso em sair desse lugar totalmente regenerado. Deixo uma pergunta a você: qual homem que passa por essas coisas dentro de uma unidade prisional vai sair sem maldade em seu coração?”, questiona.
De acordo com Alex Giostri, que é editor livros, responsável pela condução das oficinas literárias e colaborador do CNJ, os documentos produzidos pelos presos são encaminhados aos 13 conselheiros da instituição, aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ao Ministério Público e aos gestores das unidades prisionais visitadas. “Os livros não são comercializados. São entregues às autoridades e podem ser solicitados pelos cidadãos”, explica.
Giostri destaca que a importância do projeto “Mentes Literárias” vai além de garantir o acesso das pessoas privadas de liberdade à literatura. “Ele serve também para que o gabinete entenda o que está acontecendo nas unidades prisionais brasileiras. A partir desses relatos, se dá o encontro do conselheiro com os presos e são pensados planos de ação”, afirma.
Procurado pelo Diario de Pernambuco, o advogado de Edcleidson, Marcos Augusto Calado, nega a veracidade dos relatos. “Se você tiver acesso ao Atestado de Conduta vai ver que ele tem um bom comportamento desde que ingressou no sistema”, argumenta.
A reportagem questionou a Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP) sobre o comportamento de Edcleidson na Unidade Prisional de Itaquitinga. Até o fechamento da matéria, contudo, não houve retorno da pasta.