LARISSA AGUIAR
Publicação: 04/08/2025 03:00
Há exatos 34 anos, entrava em vigor a Lei nº 8.213/1991, conhecida como Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência, estabelecendo a obrigatoriedade de contratação por empresas com cem ou mais empregados de pessoas dessa parcela da população ou reabilitadas da Previdência Social. Desde então, milhões de brasileiros passaram a ter, ao menos no papel, o direito de ocupar seu espaço no mercado de trabalho.
De janeiro a junho deste ano, o Brasil registrou 63 mil contratações de pessoas com deficiência ou reabilitadas, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Mais de 93% dessas admissões ocorreram em empresas obrigadas a cumprir a cota. “É a prova de que, sem obrigatoriedade, a maioria das empresas não teria sequer incluído essas pessoas”, avalia a procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco, Melícia Carvalho Mesel. “O preconceito ainda é a principal barreira. Temos pessoas qualificadas, prontas para o trabalho, mas as empresas continuam se escondendo atrás de justificativas infundadas.”
Em 34 anos de vigência, a lei permitiu a realização de mais de 139 mil auditorias em empresas de todo o país, resultando na inclusão de mais de meio milhão de pessoas com deficiência. Somente em 2024, foram 7 mil fiscalizações e 27 mil contratações efetivadas.
No Estado, o MPT vem intensificando a atuação fiscalizatória e educativa. A proposta é fazer valer não apenas a letra da lei, mas o espírito de cidadania que ela carrega. “O trabalho é um eixo fundamental da existência digna. E quando uma pessoa com deficiência é contratada, toda a sociedade ganha”, afirma Mesel.
Ela destaca que muitas empresas tentam driblar a lei oferecendo apenas cargos com salários baixos, sem adaptações, tornando a experiência do trabalhador PCD desestimulante e, por vezes, inviável. “São oferecidas funções pouco atrativas, ambientes inacessíveis, ausência de tecnologias assistivas. Isso não é inclusão, é exclusão disfarçada”, completa.
A psicóloga Eduarda Coutinho, de 24 anos, conhece essa realidade de perto. Ela convive com a microtia congênita, condição que impediu o desenvolvimento de sua orelha e canal auditivo, resultando em perda auditiva severa unilateral. Por anos, ela escondeu sua condição, temendo não ser levada a sério em uma profissão onde é preciso “escutar”. “No começo, não colocava no currículo que era PCD. Achava que ninguém entenderia como uma psicóloga com deficiência auditiva poderia exercer bem a função. Por ser uma deficiência ‘invisível’, isso passava despercebido, até que surgiam os julgamentos: ‘ela fala alto demais’, ‘parece desatenta’”, relata.
No entanto, em uma escola onde trabalhava, foi convidada a dar uma palestra para alunos sobre sua vivência. “Depois disso, uma aluna com deficiência auditiva passou a falar mais. Uma mãe me procurou, dizendo que seu filho também tinha microtia. Foi emocionante. Eu percebi que existiam outras pessoas como eu”.
Um outro problema é que muitas deficiências não são reconhecidas. Eduarda conta que já foi invalidada mesmo com laudo, aparelho e documento oficial. Em um concurso público em vagas para PCD, foi aprovada com ótima nota, mas reprovada no exame médico para ocupar a vaga de cota. “Em outro concurso, com os mesmos documentos, fui aceita”, lembra. “Existem diferentes tipos de deficiência. As empresas precisam estar preparadas para entender isso”, conclui a psicóloga.