Júlio Cavani
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Publicação: 27/07/2014 03:00
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Ela elegante e sensível. Ao lado, uma cena do filme Bem-vindo a Nova York |
São Paulo - “Fuck”, “bullshit”, “motherfucker” e outros palavrões em inglês estão entre as palavras mais repetidas por Abel Ferrara em seu vocabulário cotidiano. Os filmes do cineasta norte-americano também são cheios de agressividade e situações inconvenientes, não necessariamente com violência física, mas por incomodarem, por deixarem o espectador desconfortável ou chocado. Durante esta semana, ele esteve no Brasil para apresentar o novo filme, Bem-Vindo a Nova York, que encerra o Paulínia Film Fest neste domingo no interior de São Paulo. A atriz inglesa Jacqueline Bisset participou da visita e também esteve no festival.
Bem-Vindo a Nova York é livremente inspirado no escândalo que em 2011 acertou em cheio Dominic Strauss-Kahn, ex-presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI), preso sob a acusação de ter assediado a camareira de um hotel, às vésperas do anúncio de sua promissora candidatura à presidência da França.
O personagem, que tem outro nome no filme, é interpretado por Gérard Depardieu, que se entrega por completo tanto em cenas de orgias com prostitutas quanto nas situações constrangedoras na prisão. Jacqueline vive sua esposa, uma milionária à frente de projetos sociais humanitários que precisa usar seu poder discretamente para tirar o marido de trás das grades.
Ferrara e Bisset cederam entrevista no festival para um grupo de dez jornalistas, com a presença do Viver. Eles discutiram temas como improvisação, vícios e personagens reais, além de brincarem bastante um com o outro. Ela, elegante e sensível. Ele, desleixado e verdadeiro.
- Jornalista viajou a convite do festival
Filmografa selecionada
Abel Ferrara
(63 anos, 34 filmes)
O assassino da furadeira (1979), Cidade do medo (1984), Vício frenético (1992), Olhos de serpente (1993), Os invasores de corpos (1993), Os chefões (1996).
Jacqueline Bisset
(69 anos, 89 filmes)
Casino Royale (1966), Armadilha do destino (1966), Bullit (1968), A noite americana (1973), Assassinato no Expresso Oriente (1974), Orquídea selvagem (1989).
Entrevista >> Abel Ferrara e Jacqueline Bisset
“Dane-se a privacidade”
Improvisação
Jacqueline Bisset: Havia um script, mas, muitas vezes, Abel deixava para lá e dizia: “Vá lá e faça algo real”. Eu havia lido e sabia que tinha qualidade, mas eu não fazia ideia de como aquilo seria trabalhado. Era um momento de tensão, pelo qual estávamos esperando há muito tempo. O personagem dele havia acabado de sair da prisão e a esposa, que eu interpretava, o ajudou a sair. Abel não cortou, deixou a câmera filmando sem interromper, independente do texto. Não havia como repetir o take, pois os diálogos foram inventados na hora e eu também dependia do comportamento de Gérard.
Abel Ferrara: Gérard não falou as palavras que estavam no roteiro em nenhuma cena. Ele criou tudo na hora de filmar. Todo leem o texto, dominam o que está escrito ali. Nós sabemos que aquilo é ouro, que alguém trabalhou naquilo por dez anos. Os roteiros são muito bem escritos, são excelentes, discutimos linha por linha. Isso não quer dizer que eles devem ser repetidos pelos atores palavra por palavra.
Viciados
Abel: Um viciado é alguém que não muda do ponto A para o ponto B. Ele sempre vai de A para A. Nunca vai mudar. Todos falam de redenção, mas não vejo possibilidade de redenção. Adoro filmes de vampiro, porque eles não se olham no espelho, não precisam de espelho, não podem ver seu reflexo. O cara estava para se tornar presidente do país e perdeu tudo. Todo mundo diz que isso é um desastre, mas o cara não está nem aí para o que as pessoas e os psiquiatras dizem. Se aparecer outra mulher na frente dele, ele não vai resistir.
Personagens reais
Abel: No começo do filme, mostramos um letreiro que diz que o filme foi “inspirado” em algo. Moro em Nova York e há eventos ocorrendo lá o tempo inteiro e qualquer evento pode me inspirar. Por alguma razão, foi esse evento que me inspirou. Falei sobre a ideia para outras pessoas, elas acreditaram e me ajudaram a fazer o filme. Havia algo ali. Dane-se a privacidade. O roteirista não está nem aí pra Strauss-Kahn. O personagem do filme faz Strauss-Kahn parecer Peter Pan.
Jacqueline Bisset: Independentemente das pessoas reais, o que interessava era a situação, a ideia de que havia pessoas que comandam o mundo envolvidas em questões pessoais humanas, como o vício em sexo. É também uma história de amor.
Gérard Depardieu
Jacqueline Bisset: Eu nunca havia trabalhado com Gérard e só havia me encontrado com ele rapidamente antes há muito tempo atrás.
Abel: Vocês atuaram como se se conhecem há muito tempo. Eu achava que vocês já tinham transado.
Jacqueline Bisset: Não! Praticamente não o conheço. Quando olhei pra ele, lembrei de um homem com quem vivi por sete meses.
Abel Ferrara: Quem foi esse cara?
Jacqueline Bisset: Um russo louco, mas não importa.