Filha de preto com gay Ana Carolina e Seu Jorge apresentam hoje em Pernambuco a turnê conjunta com repertório do disco lançado em 2005

Luiza Maia
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Publicação: 12/08/2016 03:00

 (Manuela Scarpa/Divulgação )

São Paulo – Foram quase 12 anos de intervalo entre a gravação do bem-sucedido Ana & Jorge, de agosto de 2004, e a estreia da turnê em dueto, em abril deste ano. Com mais de 300 mil cópias do disco vendidas e sólidas carreiras individuais, Seu Jorge e Ana Carolina resgatam hoje, no Classic Hall (Olinda), o repertório do álbum conjunto, canções de cada um deles e covers, da bossa nova ao funk.

“A criança já tem 11 anos, é filha de preto com gay e é super bem-sucedida”, explica Ana, em texto de apresentação recitado durante o show. Eles brincam com a passagem de tempo, ressaltam fatos históricos, como a primeira presidente mulher do Brasil, o primeiro presidente negro dos EUA e o primeiro papa sul-americano, e ironizam a tomada de três pinos, a inesquecível derrota do Brasil para a Alemanha e Xuxa ter trocado a Globo pela Record. “Eu peguei um monte de gente”, provoca Ana. “E agora a gente está aqui, né?”, finaliza ele.

Em clima descontraído, os amigos de vozes marcantes e graves concentram 30 músicas nas quase duas horas de performance. A sonoridade essencialmente acústica do CD e DVD abre espaço para batidas e samplers eletrônicos, combinados à iluminação em tons escuros e de azul. É isso aí, Garganta e Carolina, hits de Ana & Jorge, são mesclados a Pole dance, Rosas e Elevador, dela, e Mina do condomínio, Quem não quer sou eu e Burguesinha, dele, entre outras.

Ana e Jorge curtem Dindi,  Tiro ao Álvaro e Chiclete com banana, cantam a nova Mais uma vez (dela em parceria com o pernambucano Dudu Falcão, Gabriel Moura, Pretinho da Serrinha e Leandro Fab), com pegada de sertanejo pop, e se deliciam com hits do axé e do pagode. Coleção, famosa na voz de Ivete Sangalo, é resgatada pela dupla e até ganhou um “eu amo você” de Seu Jorge para Ana Carolina na estreia. Mal-acostumado, versão do Araketu, é definida por Ana como “uma dessas músicas populares que a gente não tem muita oportunidade de cantar”, enquanto Talismã, do recifense Michael Sullivan e Paulo Massadas, registrada por Raça Negra e Leandro e Leonardo, é lembrada por Seu Jorge como “música que marcou época”. O passeio é finalizado por música eletrônica. Ingressos: R$ 120 (pista) e R$ 240 (frontstage), com direito à meia-entrada, R$ 1,3 mil a R$ 1,6 mil (mesas) e R$ 1,5 mil a R$ 2 mil (camarotes). Informações: 3427-7500.

* A jornalista viajou a convite dos organizadores da turnê

Entrevista Ana Carolina e Seu Jorge  

O repertório é bem eclético, com MPB, funk, axé. Como foi a construção?
Jorge - A gente sabia que precisa fazer um show baseado em sucessos, nos nossos, principalmente: aquilo que as pessoas ouviram lá atrás e que conhecem hoje. Queria unir o trabalho dos autores que somos e o instrumento de intérprete. “Vamos tentar achar uma canção que faz sentido para todo mundo na plateia, mas não está na memória”. No meu caso, foi o Talismã: restaurar a memória dessa música, que ouvi com Nelson do Forrogode, não foi nem com Leonardo, um “sambanejo” que eu queria trazer. Tenho certeza que as pessoas que chegam lá querem se livrar dos problemas, dessa coisa que está acontecendo com a gente. Naquela hora, elas querem cantar o amor, a fantasia, sair da dificuldade de todo dia empreender o Brasil.

Na apresentação, Ana diz que “temos uma presidente mulher”. Tem algum receio de causar um efeito negativo?
Ana: (Aquela frase no show) é só uma citação de coisas que aconteceram sem ser tendenciosa, sem entrar no mérito. Eu não gostaria de dar uma opinião sobre isso agora.

Por que a opção pela música eletrônica?
Ana - Eu vinha paquerando com a música eletrônica desde o #AC, que não tem bateria. Quando a gente se encontrou, a gente ficou em dúvida de fazer voz e violão ou banda. “E se a gente botar dois caras tocando com a gente, disparando, botando música eletrônica?”. E deu certo.

Há quem diga que a demora para uma turnê foi devido a brigas entre vocês…
Ana - A gente briga toda hora e faz as pazes. Não  ficamos brigados. Nós dois temos personalidades superfortes.
Jorge - Entre parceiros, não pode haver formalidades. Quando se juntam duas personalidades assim, é para ser um negócio foda, até intransponível. A porrada canta mesmo, a chapa pela. Mas essa história de “brigados”, de que nós não nos falamos, isso não existe. É justamente desse encontro de personalidades distintas que nasce o diferencial do nosso trabalho.

Vocês dizem que o projeto é filha de “preto com gay”. Há o que comemorar?
Ana - A gente é muito minoria para o sucesso todo que a gente faz, mas temos o que comemorar, sim. Ver um país como os Estados Unidos com um presidente negro, o Brasil com uma presidente mulher, isso são avanços. Mas a luta continua. Porque o preconceito existe. Eu vejo mães que vão ao show e dizem: “Foi difícil quando a minha filha disse que era gay. Mas ouvi o seu disco, ouvi teu discurso, e o processo foi mais fácil”. É gratificante. Que bom que estou ajudando de alguma maneira. Não levanto bandeira, mas o preconceito existe mesmo. Nada me tira da cabeça que as pessoas mais preconceituosas são aquelas que têm algum problema com a própria sexualidade.