CARNAVAL 2017 » Ficam as máscaras Elementos carregados de significados e disseminados sobretudo no carnaval, os artefatos são símbolo do teatro

ISABELLE BARROS
isabelle.barros@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 04/03/2017 03:00

Versátil: Peça serve a atores, como Sebastião Filho (esq.), e folguedos, a exemplo do cavalo marinho (Peu Ricardo/DP | Roberta Guimaraes/Divulgacao )
Versátil: Peça serve a atores, como Sebastião Filho (esq.), e folguedos, a exemplo do cavalo marinho

Portal para outra dimensão, instrumento de disfarce que revela verdades, a máscara carrega um simbolismo que faz parte da essência do ser humano. Sua imagem, duplicada entre tragédia e comédia, é o símbolo do teatro, e há até quem defenda o nariz vermelho do palhaço como a menor máscara de todas. Encontrado em povos de todos os continentes e com feições que vão do angelical ao grotesco, o objeto tem seu uso disseminado entre a população durante o carnaval e nos lembra do quanto os indivíduos querem transcender seu cotidiano, mesmo que por alguns breves momentos.

A história das máscaras, segundo a professora do curso de teatro da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Izabel Concessa, se confunde com o início das civilizações. “O teatro, no Oriente e no Ocidente, originou-se dos rituais religiosos, atividade na qual a máscara já se fazia presente. Na Grécia Antiga, os personagens, tanto da tragédia como da comédia, eram representados através desses objetos, com expressões trágicas e jocosas. A partir do teatro grego, eles ganham autonomia e evoluem, com o passar do tempo, como máscaras dramáticas de vários gêneros e várias formas teatrais”.

Segundo o dramaturgo, ator e diretor Sebastião Simão Filho, que também confecciona máscaras, elas são almas à procura de um corpo. Em sua pesquisa como artesão, tradições como a Commedia Dell’Arte ou o Katakhali indiano se transformam em fontes de inspiração. “Eu não tinha noção da grandiosidade desse artefato antes de trabalhar com ele. Esses instrumentos mexem com energias não apenas ancestrais, mas sobre-humanas. A função das máscaras é cobrir o indivíduo para revelar o que ele tem dentro de si, como se fosse um estado de sonho. Elas não precisam do ser humano. Nós é que precisamos delas para elevar nossas mediocridades. Ao longo dos séculos, artesãos experimentaram muitos materiais, como metais, madeira, chumbo e couro. Este último, para mim, é o material mais nobre, pois ele porta a vida de outro indivíduo”.

Além do teatro de “caixa”, feito em casas de espetáculos, o drama popular, representado por folguedos como o cavalo marinho, também é pródigo no uso das máscaras feitas de couro e papel machê. Neste caso, não se representam individualidades, mas alegorias do bem, da morte, da bravura, da sensualidade ou qualquer outra criada pelo povo. Quem detalha melhor esta divisão é a pesquisadora da cultura popular Maria Alice Amorim. “No cavalo marinho, há três grupos: as figuras humanas, os animais e os personagens fantásticos ou sobrenaturais, como o Diabo. O Mestre Ambrósio é um dos personagens mais importantes justamente porque ele é a figura que sai com um saco cheio de máscaras para distribuir aos participantes ao longo do folguedo”.

O professor do curso de teatro da UFPE, Luís Reis, também aponta uma absorção das máscaras pelo teatro brasileiro e indica o teatrólogo pernambucano Hermilo Borba Filho como ponta-de-lança nesse tipo de experimentação. “O Teatro Popular do Nordeste, fundado por ele, por exemplo, tinha a máscara como parte central neste projeto. Ela é um ícone popular e, ao mesmo tempo, funciona como uma interseção entre uma tradição ancestral do teatro. Hermilo já usava máscaras nos anos 1940 com o Teatro do Estudante de Pernambuco, mas era algo relacionado à tragédia grega. Nos anos 1960 é que ele inclui em sua encenação uma máscara meio ancestral, meio Capitão Antônio Pereira, do bumba-meu-boi”.

A evolução no uso das máscaras ao longo da história da humanidade

 (Arquivo/DP/D.A Press )

GRÉCIA E ROMA ANTIGA
Os primeiros ocidentais a usarem as máscaras não apenas para fins estritamente religiosos foram os gregos, que as adotaram primeiramente em festas dedicadas ao deus Dioniso. O teatro grego a incorporou como tipos pré-determinados Esses objetos cobriam o rosto do ator, com espaços para os olhos e boca e ainda eram complementados por acessórios como barbas e cabelos. No teatro romano, antes mesmo da influência da cultura grega, os atores utilizavam máscaras. No entanto, com o cristianismo, as máscaras foram banidas - apenas o diabo tinha máscaras quando havia a representação desses personagens nos mistérios medievais.

 (Dreamstine.com / Reprodução da internet)

COMMEDIA DELL'ARTE
O couro é a matéria-prima mais utilizada para a Commedia Dell'Arte, expressão cênica contemporânea à Renascença italiana, por volta dos séculos 16 e 17. O material servia para dar um respiro à face suada dos atores e cobria aproximadamente metade do rosto, dando espaço para a expressão da região da boca e liberando- para uma maior amplitude vocal. Assim como no teatro greco-romano, os personagens não representavam individualidades, mas tipos: o rico avarento (Pantaleão), o intelectual convencido e de linguagem difícil (Doutor), os enamorados, os empregados (Zanni) e o militar que finge ser corajoso, mas é covarde (Capitão).

 (Dreamstine.com / Reprodução da internet)
MÁSCARA NO TEATRO JAPONÊS

No teatro Nô, apenas o ator principal (shite) usa máscaras e desempenha várioas papéis. No Nô, há cerca de 60 tipos de máscaras, cada uma com uma função diferente. A própria confecção das máscaras é atividade secular e levada a sério no Japão, pelo alto nível de habilidade exigido para o artesão. Dependendo da luz, há a impressão de mudança das feições da máscara.

 (Dreamstine.com / Reprodução da internet)
MÁSCARA NEUTRA

Dois franceses, Jacques Copeau (1879-1949) e Jacques Lecoq (1921-1999), investiram na máscara neutra como ferramenta de treinamento para o ator. Esse tipo de ferramenta não tem nenhum traço particular e, com ela, os artistas cênicos têm mais potencial para se libertar dos gestos cotidianos e se concentrar em sua expressão corporal no espaço.