George Steiner e a criação literária: uma perspectiva

Maria Larissa Farias
Doutoranda em Teoria da Literatura pela UFPE

Publicação: 20/01/2023 00:30

George Steiner, um dos críticos literários mais proeminentes do século passado, reflete, em Gramáticas da Criação, sobre o ato criador na literatura. Tal obra, que considero uma das mais importantes do autor, não tem recebido, por algum motivo, reedições no Brasil. Na versão sobre a qual escrevo, publicada pela Editora Globo em 2003 (com tradução de Sérgio Augusto de Andrade), é possível observarmos proposições de Steiner – orientadas por elegância e densidade ensaísticas muito particulares– no que se refere às relações e analogias acerca do conceito de criação em âmbitos diversos: o teológico, o estético e o mítico.

Ao meditar sobre essas conexões, o crítico também reserva momentos de sua obra para direcionar, aos interessados em literatura, uma questão tão fascinante quanto tortuosa: por que criamos objetos estéticos e literários? George Steiner, com essa pergunta, parte da ideia que elabora desta forma: “Toda obra, de certa maneira, deveria não ter existido, já que sua composição e sua conclusão ou traem ou, no melhor dos casos, só acabam desesperadamente próximos do projeto inicial em sua verdade, harmonia ou perfeição”.  

Se, como nas palavras de Steiner, toda obra de arte está submetida à superação de uma negatividade desde os primeiros momentos de sua construção, por que persistimos não resignados a essa tendência contingente que permeia todo objeto de arte? Por que nós, humanos, continuamos a escrever e publicar livros literários? Ora, é claro que o crítico parte de um ponto de vista idealizante, ao se basear no pressuposto de um “projeto inicial” harmônico. Contudo, o realce ao caráter “não necessário” (no que mais de essencial há no sentido de “necessidade”) de uma obra de arte coloca-nos diante de duas características incontornáveis para a criação literária: a imposição visível de sua recorrência na história humana e o seu caráter de liberdade.

Para Steiner, que não busca – por meio de suas formulações críticas – encerrar verdades quantificáveis sobre o âmbito literário, há (e deveria existir) uma partícula de mistério em toda obra de literatura: “O dramaturgo ou o romancista que resolvem dizer tudo que sabem só transmitem onisciência, não conhecimento”. É claro que, aqui, George Steiner retoma e dá voz própria à noção de poiesis aristotélica, ou seja, da criação literária não como um objeto encerrado e de sentido totalmente abordável, mas como uma forma de potência imaginativa.     

Gramáticas da Criação, então, ajuda-nos a pensar que fazemos literatura não para “dizermos discursivamente” ou para encontrarmos, na obra, um espelho perfeito de nossas convicções políticas ou filosóficas, mas para realizarmos um ato de liberdade de pensamento e imaginação. Em sua autonomia, o fenômeno literário pode e deve contrariar até mesmo as ideias mais profundas de seu próprio criador. Tal livro de George Steiner, por ser precioso exemplo da inventividade na forma do ensaio e por abordar temáticas do século passado que reverberam profundamente em nossos dias, traz-nos um ambiente intelectualmente vitalizante sobre a criação literária. Seria, de fato, extremamente benéfico se chegasse, aos leitores brasileiros, uma nova edição do título.