José Roberto de Luna Filho
Doutorando em Teoria da Literatura pela UFPE
Publicação: 20/01/2023 00:30
Uma das coisas que mais chamam a atenção em Gótico Nordestino é a sua multiplicidade. Trata-se de um livro que não aposta em nichos, isto é, não se sustenta em imagens, temas e problemas de determinado público, como é frequente. Prova disso tem sido a sua recepção: alcançou êxito diante de uma massa de leitores tão diversa, com gostos e expectativas distintas. E nessa massa incluo os críticos – profissionais ou não. Isso é importante, pois não raro vemos obras que fazem muito sucesso na crítica, mas não encontram leitores. E obras que chegam a muitos leitores, mas são rechaçadas pela crítica. Os contos de Cristhiano Aguiar têm conseguido, até então, o grande feito de unir os gostos popular e acadêmico.
Atribuo essa capacidade ao fato de não haver um conceito aglutinador e opressivo na obra. É certo que há um estilo que pode ser identificado em todos os contos, para além de outras similaridades. No entanto, os contos têm relativa independência, de maneira que é difícil que alguém termine a leitura sem ter encontrado ao menos uma história que lhe interesse. Prova disso é a enorme quantidade de influências que os críticos e o público têm apontado.
Essa multiplicidade fica clara em um breve resumo dos contos que compõem o livro. Em “Anda-luz”, acompanhamos um garotinho que enfrenta o terror do sertão dominado pelo cangaço, com imagens que lembram tanto Rachel de Queiroz quanto a ficção científica do século XIX. Com “As onças”, adentramos um tempo distópico, que possui elementos bíblicos e psicanalíticos, num enredo que remete a vários games de terror. “Lázaro” traz a dolorosa lembrança dos piores momentos da pandemia da covid-19, mas com um elemento absurdo: um morto que torna à vida. Porém o que poderia ser um milagre torna-se um fardo insuportável. Em “Firestarter”, meu favorito, tornamos a uma distopia em que a tecnologia, o tédio e a fragmentação subjetiva formam um quadro de horror.
“A mulher dos pés molhados”, o mais próximo ao conto fantástico tradicional, tem um enredo em que o terror se anuncia sem que saibamos ser ele real ou psicológico – a indecisão é sua complexidade. O mesmo pode ser dito do curto, mas forte, “Tecidos no jardim”, que mostra ser possível à memória tecer não apenas o idílio. Já “A noiva”, por meio de elementos sombrios, encena o primeiro (e inesquecível) contato do mundo infantil com a morte – quando ela deixa de ser palavra e se torna corpo. “Ana e seus insetos”, que certamente agradará aos leitores de Clarice Lispector, traz um drama psicológico cujas imagens, marcantes, constituem sua força. No último conto, “O vampiro”, essa criatura tão trabalhada e desgastada ganha novo contorno, ao ter seu drama desenvolvido numa pequena cidade nordestina e ser cobertapor ambiguidade e dúvida.
Em resumo, nessa obra, cuja leitura se tornou obrigatória àqueles que se interessam por literatura contemporânea, elementos distintos – como o pop e o erudito, o gótico e o nordestino – são unidos naquilo que têm de mais assombroso.
Atribuo essa capacidade ao fato de não haver um conceito aglutinador e opressivo na obra. É certo que há um estilo que pode ser identificado em todos os contos, para além de outras similaridades. No entanto, os contos têm relativa independência, de maneira que é difícil que alguém termine a leitura sem ter encontrado ao menos uma história que lhe interesse. Prova disso é a enorme quantidade de influências que os críticos e o público têm apontado.
Essa multiplicidade fica clara em um breve resumo dos contos que compõem o livro. Em “Anda-luz”, acompanhamos um garotinho que enfrenta o terror do sertão dominado pelo cangaço, com imagens que lembram tanto Rachel de Queiroz quanto a ficção científica do século XIX. Com “As onças”, adentramos um tempo distópico, que possui elementos bíblicos e psicanalíticos, num enredo que remete a vários games de terror. “Lázaro” traz a dolorosa lembrança dos piores momentos da pandemia da covid-19, mas com um elemento absurdo: um morto que torna à vida. Porém o que poderia ser um milagre torna-se um fardo insuportável. Em “Firestarter”, meu favorito, tornamos a uma distopia em que a tecnologia, o tédio e a fragmentação subjetiva formam um quadro de horror.
“A mulher dos pés molhados”, o mais próximo ao conto fantástico tradicional, tem um enredo em que o terror se anuncia sem que saibamos ser ele real ou psicológico – a indecisão é sua complexidade. O mesmo pode ser dito do curto, mas forte, “Tecidos no jardim”, que mostra ser possível à memória tecer não apenas o idílio. Já “A noiva”, por meio de elementos sombrios, encena o primeiro (e inesquecível) contato do mundo infantil com a morte – quando ela deixa de ser palavra e se torna corpo. “Ana e seus insetos”, que certamente agradará aos leitores de Clarice Lispector, traz um drama psicológico cujas imagens, marcantes, constituem sua força. No último conto, “O vampiro”, essa criatura tão trabalhada e desgastada ganha novo contorno, ao ter seu drama desenvolvido numa pequena cidade nordestina e ser cobertapor ambiguidade e dúvida.
Em resumo, nessa obra, cuja leitura se tornou obrigatória àqueles que se interessam por literatura contemporânea, elementos distintos – como o pop e o erudito, o gótico e o nordestino – são unidos naquilo que têm de mais assombroso.
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Literatura como debate de múltiplas identidades