As meninas do Marajó
No contundente "Manas", a diretora Marianna Brennand revela a triste realidade de abusos domésticos em uma região remota do país e liga o alerta da empatia
Publicação: 16/05/2025 03:00
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Rômulo Braga interpreta pai que violenta a filha, vivida por Jamilli Correa Margarethe esteve no evento que ocorre em Cannes |
É no equilíbrio entre a delicadeza e temática brutal que reside a força de um dos mais prestigiados lançametos brasileiros deste ano. Longa de ficção de estreia de Marianna Brennand, sobrinha-neta do saudoso artista plástico pernambucano Francisco Brennand, Manas chegou aos cinemas após passagens pelo Festival de Veneza e pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, nos quais foi premiada, e na abertura do Janela Internacional de Cinema do Recife, ano passado.
O filme surgiu de relatos que a cineasta ouviu sobre histórias de abuso nas balsas da Ilha do Marajó, no Pará, e seria, originalmente, um documentário. Na trama, Marcielle (Jamilli Correa), de 13 anos, vive com seu pai, Marcílio (Rômulo Braga), sua mãe, Danielle (Fátima Macedo), e seus três irmãos mais novos, sentindo diariamente falta da irmã mais velha, que foi embora com um homem que circulava pela bacia hidrográfica da comunidade.
Marcílio insiste que Marcielle durma com ele, a leva para caçar e a proíbe de vender açaí nas balsas, iniciando um ciclo de violência sexual que, apesar de nunca explicitado pela câmera, se torna gradualmente mais desesperador conforme a solidão e o isolamento limitam os horizontes de fuga para a protagonista. O ponto de esperança principal é a entrada em cena da policial Aretha (vivida por Dira Paes), que percebe haver algo muito errado naquela jovem e luta para salvá-la.
Em entrevista exclusiva ao Viver, a cineasta ressalta a importância de não reproduzir o olhar masculino objetificante ao tratar da questão da violência sexual. “Como mulher, eu não queria reproduzir essa visão perpetuada pelos homens. E não podemos esquecer jamais que são crianças e tratá-las como tal. Retratar o abuso graficamente, para mim, é quase assinar embaixo”, explica Marianna.
Durante a conversa, a diretora falou ainda sobre como a linguagem utilizada pela produção contribui para o envolvimento dramático do espectador. “Nossa intenção foi fazer um filme sensorial, que envolvesse a plateia naquela solidão da Marcielle. O som, a fotografia e as escolhas de enquadramento fechado na personagem são muito importantes nessa construção de uma ambiência que é ao mesmo tempo belíssima, mas também sufocante”, destaca.
“Acho que é perfeitamente possível a gente abordar a mais terrível das realidades sem perder a sensibilidade, o respeito e o fato. Colocando o público no lugar dessas meninas através do cinema, uma máquina de produzir empatia, espero que possamos começar a transformar a realidade”, diz a cineasta que receberá o prêmio “Woman in Motion” de diretora revelação do Festival de Cinema de Cannes.