Uma nova economia surge no campo Tecnologia, inovação e manejo de embriões começam a transformar a cultura do gado leiteiro no NE

ANDRÉ CLEMENTE
andre.clemente@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 20/01/2018 03:00

A agropecuária do Nordeste precisava de um agitador econômico. E ele começa a aparecer. O negócio ainda é “invisível” para o Produto Interno Bruto (PIB) da região, mas vem montando uma estrutura para se tornar bastante representativo. Se há cinco anos a bacia leiteira de Pernambuco, com base na cidade de São Bento do Una, no Agreste, enfrentava a seca rezando por chuva, partia paralelamente para um contra-ataque que integra alta tecnologia, genética e controle de manejo animal. Esse movimento tem levado ao melhoramento da qualidade do gado local a partir de embriões de vacas holandesas criadas no Canadá. Uma dinâmica que caminha para aumentar a fatia do agro de 3,5% do PIB do estado e gerar uma nova economia: a que vai “substituir” vacas comuns da região por “máquinas de fazer leite.”

Em 2013, Stênio Galvão voltava do Canadá com as primeiras amostras dos embriões. Desembolsara R$ 400 mil na compra de 180 embriões da vaca da raça holandesa para tentar reverter a performance mediana das suas, que não atendiam à demanda da sua fábrica de leite e derivados, a Bom Leite, localizada ao lado da fazenda onde cria os animais. Geraram 57 matrizes (fêmeas). “A priori, era ter vacas aqui produzindo como as de lá (Canadá), que tem condições adversas para criar vacas e mesmo assim produzem muito”, lembra.

Veio a surpresa: as primeiras matrizes (fêmeas) nascidas em São Bento do Una produziam mais que as estrangeiras. Eram quase 30 litros de leite diários por vaca. Segundo o Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Leite de Pernambuco (Sindileite-PE), a produção média dos criadores do estado é dez litros por dia. “Tivemos a surpresa boa de que o clima de São Bento do Una atende à demanda ideal para o segmento. Passamos a acompanhar o ciclo, estudar o tipo genético das vacas e fazer combinações mais eficazes.” A compra passou a ser apenas do sêmen, para ser aplicado nas vacas. Resultado: a segunda geração já é mais produtiva que as mães, e a “notícia” começou a movimentar a região. Hoje, as vacas fornecem cerca de 40 litros de leite por dia e têm um porte que atinge o peso de uma tonelada.

“As fêmeas eu coloco no ciclo produtivo do leite ou para se tornarem hospedeiras do embriões com mais potencial, e os machos eu vendo para quem tem fêmeas, o que já começa a melhorar o gado de outras localidades e eu ganho receita para novas amostras de sêmen, podendo otimizar a minha estrutura produtiva. Além de outras cidades de Pernambuco, já solicitaram os machos nascidos aqui em São Bento Paraíba e Alagoas, ou seja, não precisa ir para o Canadá. A gente encontra aqui mesmo”, destaca, citando que o investimento em sêmem gira em torno de R$ 25 a R$ 7 mil a dose, dependendo da qualidade do touro e da quantidade que ele produz. “É o que eu quero fazer no futuro. Além do leite, o meu objetivo é comercializar os embriões e o sêmen, algo que eu precisei buscar no Canadá e os brasileiros vão encontrar aqui no estado”, planeja.

E os resultados de fato já aparecem, valorizando o produto na hora de vendê-lo. Em 2016, de 600 mil vacas que foram analisadas pela métrica internacional de qualidade, a fazenda de Pernambuco listou quatro vacas dentro do top 100 do Brasil, as únicas do Nordeste. Aí vem mais: “O padrão de qualidade já começou a levar outras regiões do Brasil a demandar o embrião do gado que sai daqui, de São Bento do Una”, orgulha-se Galvão.

E ainda que represente um ganho para a produção de leite e um salto de qualidade do gado nacional, essa nova riqueza produzida ainda é incalculável para o PIB. De acordo com Maurílio Lima, diretor executivo de estudos e pesquisas da Agência Condepe Fidem, instituição que divulga os dados do PIB do estado, a agropecuária é medida como um todo, sem conseguir desmembrar agricultura da pecuária. “O cálculo do PIB em Pernambuco segue o princípio geral medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) tanto para o Brasil como para os estados. A gente não tem abertura para ver, em valores, o que só a pecuária produz ou o que só a fruticultura gera, por exemplo. Tudo entra na conta do macro da agropecuária, que é um setor medido, como ocorre com a indústria e os serviços. A certeza que temos é que esse melhoramento genético terá, sim, grande repercussão no PIB do agronegócio, mas quanto isso representará em valor, não”, constata.

São Bento do Una

  • Agreste de Pernambuco
  • População: 55 milhões
  • PIB: R$ 783 milhões (2015)
  • Principal setor econômico: Agropecuária
  • Potencial: A cidade reúne as condições ideiais para criação de vacas leiteiras
  • Requisitos:
    Velocidade de vento: 8 a 13 quilômetros/hora
    Temperatura: Média de 23 graus
    Umidade: 60%
O caso do Canadá
  • O Canadá se tornou referência mundial por tornar vacas produtivas nas condições climáticas adversas e passou a comercializar embriões para o mundo
  • 32 países compram embriões de vacas da raça holandesa ao Canadá
  • Lá, a vaca recebe um medicamento para estimular o cio e depois o hormônio, para que ela libere mais de um óvulo para realizar a fecundação
  • A média é produzir oito, mas tem vacas que chegam a 20 óvulos e outras que nem respondem ao estímulo
  • Depois de oito dias da fecundação, o útero da vaca e preenchido com um líquido e depois esvaziado, trazendo os embriões, que ganham o mundo.
Padrão genético sendo formado no Nordeste
  • No Brasil, esse embrião é colocado em outra vaca hospedeira, que pode não ser das mais produtivas em leite e pode fazer a gestação como barriga de aluguel
  • Quando nasce um bezerro, é retirado um cabelo da cauda nos dois primeiros dias, para ser enviado para fazer a genotipagem, em um laboratório em Minas Gerais, para depois ir para os Estados Unidos.
  • No exterior, é avaliado o nível de produção de leite desse filhote, se ele vai ser reprodutor, se o leite vai ser bom, a velocidade de ordenha e a longevidade da vaca
  • Nesse controle, os resultados já aparecem. Em 2016, de 600 mil vacas que foram analisadas, a fazenda de Pernambuco listou quatro dentro do top 100 do Brasil, as únicas do Nordeste
Efeito multiplicador
  • As vacas mais bem avaliadas se tornam mães legítimas de fecundação e as menos se tornam hospedeiras, para receber os embriões extremamente  rodutivos
  • O mapeamento das vacas vai para o Canadá, que, via análise, diz as combinações mais eficientes entre machos e fêmeas. E é feita a combinação.
  • O resultado disso é: São Bento do Una já tem vacas filhas mais produtivas que as mães.
  • O futuro é gerar produtividade e melhoramento genético para vender o leite e os embriões
  • A função avança para o fato de melhorar a genética do gado da região e disseminar o desenvolvimento do segmento no Nordeste

Ciclo da vaca

1 - Nascimento
  • Após o nascimento, nas primeiras quatro horas, ele toma quatro litros do colostro (primeira produção de leite das glândulas mamárias da vaca) para adquirir as principais defesas do organismo
  • É nessas quatro primeiras horas que o pulmão e o rúmen estão sendo formados por completo e o colostro evita bactérias nessa fase de vulnerabilidade do animal
  • Ele fica na primeira área por 60 dias. É um ambiente organizado, seco, com controle de ventilação e luz
  • A tarefa é que o bezerro passe por essa fase sem adoecer, para que não precise tomar qualquer medicamento que prejudique a produção futura dele. Atingido esse objetivo, é certeza ter uma vaca adulta produtiva
  • O filhote recebe o brinco de identificação.
2 - Segunda fase
Vacas com idade entre 60 dias e 90 dias têm um espaço específico, porque já estão protegidas, mas consomem apenas leite

3 - Alimentação
Entre 90 dias e 140 dias, a área de vacas dessa idade já podem receber ração com nutrientes

4 - Inseminação
Com cerca de 180 dias, a vaca atinge cerca de 400 quilos e está com o sistema reprodutivo funcionado, apta à inseminação, tanto por meio de embriões como por sêmen, depende da qualidade da vaca

5- Vacas prenhas

6 - Pré-parto
Até 60 dias para ter filhotes, as vacas ficam em uma área excluisiva, com atenção para o parto

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A mãe - Lactação
Quando o bezerro nasce, a mãe é encaminhada para a lactação e, em até 100 dias, ela emprenha de novo

Na lactação, ela recebe um selo para medir o cio. Ainda que ela seja extremamente produtiva, o pensamento passa a ser em médio prazo, já que, nove meses depois, ela terá um bezerro mais produtivo que ela

Na lactação, a busca é pelo estágio pleno de produtividade
  • Estresse próximo de zero (a vaca precisa estar zen)
  • Passar 16 horas na posição deitada
  • Atingir olho sereno, semi aberto
  • Chegar ao nível de orelhas para trás
Estrutura para alcançar a alta performance
  • Água próxima, no máximo de 40 metros de distância (mais do que isso, ela desiste de beber água). A vaca bebe 120 litros por dia
  • Alimentação que faça ela dar leite e ganhar peso, para não ter perda de nutrientes
  • Massageador/Coçador (um a cada 50 vacas - mais do que isso, ela pode escolher o massageador em vez de ficar deitada, o que pode atrapalhar a produtividade)
  • As vacas possuem um pedômetro (tipo uma tornozeleira eletrônica) - A cada oito horas, ela gera um relatório da vaca dessas últimas horas: quanto tempo deitada, caminhando, quanto leite produziu, quanto retirou, se está no cio.
  • A vaca é levada para uma “sala de espera” 20 minutos antes da ordenha (três vezes ao dia) e fica 15 minutos sob um pulverizador de água
  • A inclusão desse irrigador faz o gado ruminar (quando o alimento retorna para boca para ser mastigado novamente). Esse estágio é de estresse zero.
  • A adoção desse instrumento reduziu o custo de medicamentos e a média de produção gerou um litro de leite por dia, por vaca
  • Cada vaca produz, em média, 40 litros de leite por dia