Ameaça de efeito dominó após prisão de Cunha Expectativa maior é em relação à possibilidade do ex-parlamentar fechar uma delação premiada

Publicação: 20/10/2016 03:00

Prisão preventiva do peemedebista foi decretada ontem no âmbito da Lava-Jato (Wilson Dias/Agência Brasil)
Prisão preventiva do peemedebista foi decretada ontem no âmbito da Lava-Jato

Trinta e sete dias após ver seu mandato cassado e perder, consequentemente, o foro privilegiado, que lhe dava o direito de ser julgado no Supremo Tribunal Federal (STF), Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sentiu o peso da mão do juiz Sérgio Moro. Ontem, o ex-presidente da Câmara foi preso preventiva, em Brasília, por ordem do juiz responsável pelo Operação Lava-Jato, e levado, em seguida, para Curitiba. Lá, ficará detido por tempo indeterminado, deixando sob tensão parte da classe política brasileira. Uma eventual delação premiada de Cunha pode ter um efeito dominó de tamanho ainda incalculável.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), a prisão se deu porque, em liberdade, Cunha representa risco à instrução do processo e à ordem pública. Além disso, os procuradores argumentaram que “há possibilidade concreta de fuga em virtude da disponibilidade de recursos ocultos no exterior” e da dupla nacionalidade. Cunha tem passaporte italiano e teria patrimônio oculto de cerca de US$ 13 milhões que podem estar em contas no exterior. Uma ordem judicial ontem confiscou cerca de R$ 220 milhões do ex-parlamentar. Em outro revés, Moro determinou a proibição da venda de veículos - somados, valem mais de R$ 800 mil - em poder de Cunha.

Na decisão que ordenou a prisão, Moro considerou que há provas “da prática reiterada, profissional e sofisticada de crimes” pelo político, réu na Lava-Jato. Também destacou que “não raramente” o ex-deputado usava táticas de extorsão, e intimidou testemunhas e delatores que poderiam depor contra si. “Embora a perda do mandato represente provavelmente alguma perda do poder de obstrução, esse não foi totalmente esvaziado, desconhecendo-se até o momento a total extensão das atividades criminais do ex-parlamentar e a sua rede de influência”, disse Moro.

Os procuradores da República reforçaram também que Cunha mantinha poder de influência no governo Temer, citando, como exemplo, a nomeação do deputado líder do PR Maurício Quintella, aliado de Cunha, para o Ministério dos Transportes. Na época em que ocupava o cargo de deputado, Quintella votou contra a cassação de Cunha no Conselho de Ética.

Na segunda-feira passada, Moro já havia intimado Cunha para apresentar sua defesa prévia em ação penal que atribui ao ex-deputado US$ 5 milhões nas contas secretas que ele mantinha na Suíça. A mulher dele, Cláudia Cruz, também é acusada na Lava-Jato. Mais de US$ 1 milhão da propina que o peemedebista teria recebido sobre contrato da Petrobras no campo petrolífero de Benin, na África, foram gastos por ela em compras de luxo na Europa, segundo os investigadores. Cláudia adquiriu sapatos, bolsas e roupas de grife na França, Itália e em outros países europeus.

O MPF apontou ainda o uso de dinheiro “proveniente de crimes contra a administração pública” para pagar o casamento de uma das filhas do peemedebista. A festa de Danielle custou R$ 267.384, considerando apenas os serviços prestados pelo hotel, sem outros prestadores. Livrar a filha e a esposa de uma condenação seria um dos pontos que leva Cunha a cogitar fazer uma delação premiada.

Em nota, Cunha afirmou que Sérgio Moro não tem competência para decretar sua prisão e sustenta que a ação que deu base para sua prisão preventiva teria sido extinta pelo Supremo. Um dos principais aliados de Cunha, o deputado Paulinho da Força (SD-SP) afirmou ontem que o ex-presidente da Câmara já esperava a prisão e só fazia um comentário sempre que abordava o assunto: a de que vai escrever um livro para fazer revelações, o que alimenta o temor de grande parte do mundo político em Brasília: o de que ele feche um acordo de delação premiada.

Essa possibilidade ganhou destaque no jornal norte-americano Washington Post. A publicação ressaltou que analistas dizem que, se Cunha colaborar com as investigações, pode fazer com que outras figuras políticas caiam com ele. Já os jornais ingleses Financial Times e The Guardian anunciaram a prisão de Cunha fazendo referência a Frank Underwood, personagem principal da série House of Cards, envolvido em esquemas de corrupção. (Da redação com agências)

Acusações // As três denúncias contra Cunha, apresentadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot

Agosto de 2015
  • Acusa o parlamentar de corrupção e lavagem de dinheiro por ter recebido ao menos US$ 5 milhões em propinas referentes a dois contratos de construção de navios-sonda da Petrobras.
  • Por unanimidade, o Supremo aceitou a acusação em março deste ano e tornou Cunha o primeiro político réu na Lava-Jato
Setembro de 2015
  • A denúncia é de Cunha manter contas não declaradas no exterior utilizadas para receber propina também no esquema de corrupção na Petrobras. Por unanimidade, o STF aceitou a acusação contra o parlamentar, que passou a responder novamente por corrupção, lavagem e evasão de divisas
Junho de 2016
  • Suspeita de Cunha desviar dinheiro do Fundo de Investimentos do FGTS (FI-FGTS) nas aplicações que o fundo fazia em obras. O caso está sob sigilo no STF e aguarda uma decisão do plenário da corte
Além da prisão, o MPF pediu a apreensão de oito veículos de Cunha:
  • Porsche Cayenne modelo 2013
    R$ 480 mil
  • Porsche Cayenne modelo 2006/2006
    R$ 86 mil
  • Land Rover Freelander modelo 2007/2008
    R$ 47 mil
  • Hyundai Tucson modelo 2008/2009
    R$ 33 mil
  • Volkswagen Tiguan modelo 2010/2011
    R$ 55 mil
  • Volkswagen Passat Variant modelo 2003/2004
    R$ 23 mil
  • Ford Edge modelo 2013
    R$ 90 mil
  • Ford Fusion 2013
    R$ 75 mil
R$ 889 mil é o valor total dos veículos
* Valores aproximados segundo tabela Fipe