Sanção dos EUA a Moraes tem forte valor simbólico Cientista político avalia que medida inflama ainda mais a polarização política e é contraditória pois os americanos não são exemplo para os direitos humanos

Cecília Belo

Publicação: 31/07/2025 03:00


Às vésperas da entrada em vigor do tarifaço anunciado pelos Estados Unidos contra o Brasil, o governo norte-americano impôs uma sanção ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, sob a justificativa de violações à liberdade de expressão e autoritarismo em decisões relacionadas aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. A medida, segundo o cientista político e professor Hely Ferreira, tem forte valor simbólico e insere mais combustível na já acirrada polarização política do país.

“A sanção é contraditória, sobretudo por partir de um país que ainda adota a pena de morte em vários estados. Não se pode tomar os EUA como referência em Direitos Humanos”, afirma Hely.

Segundo ele, é preciso lembrar que essas medidas diplomáticas não podem significar submissão do Brasil. “Nossa Constituição, no artigo 4º, deixa claro o papel da diplomacia brasileira, que é baseada na autonomia e na cooperação entre os povos — e não na subserviência a interesses estrangeiros”, reitera.

A decisão do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC), vinculado ao Departamento do Tesouro dos EUA, acusa Moraes de promover censura, autorizar prisões arbitrárias e perseguir críticos do governo brasileiro, inclusive cidadãos norte-americanos, por meio de decisões que afetaram redes sociais como a Rumble e o X (antigo Twitter). A sanção se baseia na chamada Lei Magnitsky, usada para punir supostos violadores de direitos humanos ao redor do mundo.

“Oposição e governo vão explorar essa medida em discursos cada vez mais polarizados. De um lado, a oposição dirá que é reflexo da falta de habilidade diplomática do governo Lula. De outro, o governo vai usar o episódio para reforçar a narrativa de que os ‘patriotas’ na verdade estão traindo a pátria ao se alinhar a sanções externas”, analisa Ferreira.

Para o cientista político, a situação se insere em um “maniqueísmo tóxico”, onde não há espaço para debate racional ou nuances. “Não existe uma luta entre o bem e o mal, como muitos tentam pintar. O que está em jogo são disputas de narrativa que agravam a crise institucional e fragilizam a posição do Brasil em negociações internacionais.”

O professor reafirma que o Brasil historicamente tem se posicionado como um ator diplomático de peso nas relações internacionais, com destaque para a capacidade de negociação independente. “O Brasil sempre buscou o equilíbrio. Não somos aliados incondicionais nem inimigos declarados. É uma postura que precisa ser mantida para garantir o respeito à nossa soberania”, defende. Ele encerra lembrando que a política externa brasileira deve seguir orientações constitucionais, inclusive no enfrentamento de tensões com potências como os EUA.