Bairro do Recife se torna laboratório urbanístico No início, era uma ilha de dez hectares onde o Recife começou, em torno de atividades portuárias. Quase 500 anos depois, a ilha tem cem hectares e muitas possibilidades. Berço da cidade, o Bairro do Recife continua a exercer forte influência no estilo de vida da população. A região, dotada de boa infraestrutura em itens como saneamento e pavimentação, tem sido o maior laboratório urbano dos últimos tempos. Experiências já implantadas e as que ainda estão por vir acabam servindo de referência para o restante do Recife. No bairro nasceu, na década de 1980, o Porto Digital, responsável por grande parte das iniciativas por uma nova lógica urbana. Até pouco tempo, as bicicletas de aluguel, que tiveram a área como ponto de partida, pareciam uma realidade pouco provável. Hoje, há 80 estações. Também fazem parte do dia a dia os aplicativos para localizar vagas de estacionamentos em suas ruas estreitas. Agora, estamos prestes a ter compartilhamento de carros elétricos e usufruir da Zona 30, um modelo de tráfego voltado para privilegiar o pedestre. O bairro também se abre a uma nova perspectiva de ocupação do solo. Será pioneiro, novamente, através de uma proposta de planejamento urbanístico a ser apresentada pelo município até o fim do ano, o que deve resultar em mais uma experiência levada a outros bairros.

Raphael Guerra
Tânia Passos
urbana.pe@dabr.com.br

Publicação: 20/04/2014 03:00

 (INÊS CAMPELO/DP/D.A PRESS)

O início da decadência do Bairro do Recife se deu com o esvaziamento das atividades portuárias, mas, antes disso, as famílias que residiam nos prédios e sobrados em estilo neoclássico deixaram o bairro e passaram a ocupar outras áreas, como Boa Vista, Derby e Casa Forte, para fugir das zonas de prostituição que se instalaram no entorno do Porto. O bairro ficou desabitado e a imponência histórica se apagou por algumas décadas.

Somente no fim da década de 1980, quando houve a primeira tentativa de revitalização, com o polo gastronômico, os olhares começaram a se voltar novamente para ele. Nos últimos 25 anos, a ilha passou a sediar o poder municipal, se tornou endereço do Tribunal Regional Federal, Polícia Federal e Correios, além de shopping, centros culturais e o próprio Porto Digital. Apesar disso, ainda não conseguiu trazer de volta os moradores. O único núcleo habitacional é o da comunidade do Pilar.

Até o fim do ano, o município deve apresentar um plano urbanístico para o bairro.  O desafio é torná-lo um espaço atrativo a qualquer hora do dia. O conjunto de experiências consolidadas e outras que ainda não saíram do papel serão essenciais para a formação do tecido urbano. “O bairro ideal é a aquele que quando as luzes dos serviços e comércio se apagam, se acendem as das moradias”, destacou a urbanista Amélia Reynaldo, que participou do projeto de revitalização na década de 1980 e fez o plano do Complexo Turístico Cultural Recife e Olinda.

As intervenções urbanas em curso, do projeto Porto Novo, do governo do estado, prometem mudar o cenário atual. “O bairro está recebendo empreendimentos privados de serviço e lazer”, comemorou o secretário de Planejamento do Recife, Antônio Alexandre. Segundo ele, a vitalidade do bairro será determinada pela capacidade de atrair pessoas. “O polo gastronômico não se sustentou sozinho. Foi um aprendizado”.

Ocupação começou em torno da atividade portuária (ARQUIVO/DP/D.A PRESS)
Ocupação começou em torno da atividade portuária
A urbanista Amélia Reynaldo lembra que o bairro já abriga diversos serviços públicos, mas à noite se esvazia. “É preciso trazer a moradia de volta e dar as condições com políticas de sustentabilidade, como já ocorre em outros lugares do mundo com áreas portuárias”. O plano urbanístico do município terá estudos que vão trazer um diagnóstico dos imóveis que podem servir de moradia ou serviço.

A Prefeitura do Recife também pretende colocar em prática instrumentos legais como o IPTU progressivo, que aumenta a medida da degradação do imóvel; as operações de crédito, que permitem investimentos privados, e ainda a transferência do direito construtivo, através da qual o município poderá ceder outro espaço ao proprietário. “A ideia é atrair a iniciativa privada para investir em um bairro histórico, que será dotado de vários equipamentos urbanos”, concluiu.

Linha do tempo

Polo gastronômico dos anos 1990 não vingou (ROBERTO RAMOS/DP/D.A PRESS)
Polo gastronômico dos anos 1990 não vingou
Bairro do Recife

Até 1540


O Bairro do Recife, então conhecido como bairro marítimo, era um povoado de Olinda formado por pescadores e familiares. Contava apenas com três armazéns e 40 casas

1548

O tráfico de escravos africanos serviu de motor para o auge da economia açucareira. A Rua da Senzala Velha (atual Rua da Guia) e a Rua da Senzala Nova (hoje Avenida Marquês de Olinda) são ocupadas por estrangeiros, pescadores, comerciantes e prostitutas

1630

Com o avanço da produção açucareira, acontece a invação holandesa em Pernambuco

Com 1,5 mil habitantes - alguns dormindo em casas e outros muitos em navios -surge a necessidade de ampliar o número de residências e ocupações de taipas e alvenaria de tijolos, chegando a 380. Os bairros de Santo Antônio e São José começam a ser ocupados

Surge a primeira Sinagoga das Américas, localizada na Rua dos Judeus, atual Rua do Bom Jesus

1654

Os holandeses são expulsos de Pernambuco

Começam as construções de sobrados portugueses com influência holandesa, altos e estreitos, de altura variada, com dois a quatro pavimentos. No térreo ficavam estabelecimentos comerciais, no primeiro andar escritórios e nos demais andares as residências

1710

Recife é elevada à categoria de vila, com cerca de 20 mil pessoas morando

1808

Com a abertura dos portos às nações amigas, o Bairro do Recife passa a ser ocupado por estrangeiros, entre eles os franceses, que constroem escritórios e lojas

1850

Com o fim do regime escravocrata e a chegada das primeiras embarcações a vapor, é construída a Torre Malakoff, símbolo do Recife Antigo, com o objetivo de ajudar na defesa militar

1910/1913

Surge o projeto de expansão do porto. O desenvolvimento do Bairro do Recife amplia drasticamente a prostituição de mulheres e aumenta a sujeira espalhada

1940/1950

Surgem sobrados em ruas como Bom Jesus e Guia, num período de ampliação da área boêmia, com prostíbulos e boates, paralelamente ao perfil comercial e financeiro local

1970

Elaborado o Plano de Preservação dos Sítios Históricos da Região Metropolitana do Recife, com a preocupação de preservar a memória da cidade

1980

Com o início do trabalho no Complexo de Suape, o Porto do Recife vive um declínio. O movimento de marinheiros e comerciantes diminui, dando início ao processo de decadência do bairro

1987

Surge o Plano de Reabilitação do Bairro do Recife para dar continuidade às ações voltadas à preservação e ao turismo

2000/2010

O Bairro do Recife vive um período de abandono, com fechamento de bares, boates e outros estabelecimentos comerciais

2010/2014

O bairro, que não costuma ser usado como ligação geográfica entre outras áreas da cidade, começa a virar um laboratório urbano

O bairro do Recife hoje

974

imóveis não residenciais

602
habitantes (segundo Censo 2010)

516
terrenos

4,7
quilômetros quadrados de extensão

78
imóveis residenciais