Frutas resistem na paisagem do Recife Árvores frutíferas sobrevivem na cidade e fornecem alimento gratuito a quem se interessar por seus sabores, mas não se sabe até quando. Sem lei de proteção, elas podem desaparecer

MARCIONILA TEIXEIRA (texto)
marcionilateixeira.pe@dabr.com.br

Alcione ferreira (fotos)
foto@dpnet.com.br

Publicação: 07/05/2014 03:00

O trapiá, fruto desconhecido de grande parte dos recifenses, está à disposição de quem quiser experimentá-lo no bairro do Espinheiro (ALCIONE FERREIRA
foto@dpnet.com.br)
O trapiá, fruto desconhecido de grande parte dos recifenses, está à disposição de quem quiser experimentá-lo no bairro do Espinheiro
Uma resistência verde sobrevive praticamente invisível nas calçadas precárias do Recife. Cercadas de concreto e agredidas pela poluição, as árvores frutíferas saltam aos olhos após uma observação mais atenta da paisagem. Democraticamente, ofertam seu banquete com sabor de frutas ao ar livre, a troco de nada. Em sua extensa lista de tarefas, também agregam a vizinhança, dão mais vida à paisagem, ajudam a respirar melhor. Excluídas do plano municipal de arborização das calçadas que está em curso, seus frutos e sombras correm o risco de um dia ficarem restritos a parques e praças da capital. Até lá, continuarão ofertando, ao alcance das mãos, uma infinidade de sabores de manga, acerola, mamão, cajá, tamarindo e até frutos mais inusitados, como o trapiá e o abiu.

O trapiá, um pequeno fruto de cor laranja que lembra a pinha, toma o chão da Avenida Agamenon M. de Melo, no Espinheiro. A árvore que produz o alimento pouco conhecido do recifense está plantada naquele trecho há cerca de 16 anos. É querida pelas crianças. É matéria-prima para a confecção de doces e sucos da comerciante Edileuza da Silva, 40 anos. “Meu pai se curou da erisipela com o chá de trapiá”, conta a mulher, natural de Queimadas, na Paraíba.

Mais adiante, na localidade chamada Ponte do Jacaré, os frutos plantados por Fátima Santos, 53, e o marido, Aluísio Albuquerque, 51, são deles e de todos que se aproximam com respeito. “Pegar todo mundo pode, não pode destruir”, fala Aloísio. No pomar do casal tem coco, acerola, mamão e pimenta. “O que mais tiro daqui é mamão e acerola. O mamão tiro ainda verde, senão o povo leva e não provo”, segreda Fátima.


A árvore que dá nome ao bairro deixa a calçada do Parque da Jaqueira mais bonita, inusitada. Quem não se impressiona ao dar de frente com uma planta carregada de jacas em meio ao movimento neurótico do entorno? “Sou dono não, mas cuido dela, senão o povo leva a fruta verde e estraga a jaca”, conta Luciano Rocha, que se auto-denomina uma espécie de guardião da jaqueira.

Na Rua Ibiapaba, na Tamarineira, o pé de cajá atravessa o muro do Edifício Vila Nazareth. Preservado em meio à verticalização do bairro, sobrevive para contar sua história. “Tem criança do prédio que nem sabe o que é a fruta. Quem mais pega do chão somos nós, porteiros. A gente leva para casa e faz suco”, conta Gilliard da Silva, 28.

Na Zona Sul da cidade, o jambeiro pertence aos moradores da Rua Cosmorama, no bairro de Setúbal. Cercado por bancos, abriga com sua sombra os finais de semana das famílias do lugar. Este ano, ofertou pela primeira vez seus frutos. “Aqui é nosso ponto de encontro. Nem sei quem plantou, mas a gente gosta muito dele”, comenta Lucilene Sales, 37.