Um rio à espera por sua cidade Com obras de navegabilidade paradas, Capibaribe vive aquém do potencial. Nova licitação pode viabilizar projeto

Anamaria Nascimento
anamaria.nascimento@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 21/01/2017 03:00

Veneza brasileira. A história de que o Recife se assemelha à cidade italiana é conhecida, mas o sonho de navegar em um meio de transporte público pelas águas do rio, como acontece na Europa, ainda está distante. O projeto Rios da Gente, anunciado em 2012 para tornar o Capibaribe navegável, está sem previsão de retorno, mas o uso contínuo do rio para navegação turística e pelos barqueiros que transportam passageiros mostra que o interesse e a demanda seguem existindo.

Esperadas para a Copa do Mundo de 2014, as obras orçadas em R$ 289 milhões foram interompidas devido à desistência da empresa responsável. O governo do estado, contudo, iniciou o levantamento do remanescente para subsidiar a nova licitação, e a dragagem do corredor Oeste, etapa fundamental para o projeto, está 97,5% concluída.

Para especialistas em mobilidade urbana, o transporte hidroviário é não só viável, mas necessário para otimizar o trânsito e, principalmente, melhorar a qualidade de vida em uma cidade com 680 mil carros e transporte público saturado.

Percorrer os bairros usando o rio como corredor viário era muito comum no Recife do século 19. Foi o que revelou uma pesquisa feita pelo arquiteto e urbanista José Luiz da Mota Menezes, ex-presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco e professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Desde o século 16, o Capibaribe tem sido usado para a navegação fluvial. No século 19, foi um dos principais meios para se chegar ao Centro do Recife, desde os subúrbios por onde passa curso d’água”, afirmou. Na época, foi criada a primeira empresa de transporte fluvial no rio, com barcos a vapor que passavam pelos engenhos de Casa Forte Várzea e Apipucos.

A facilidade de locomoção pelo rio fez crescer o interesse por áreas às margens do Capibaribe. “O sistema de navegação do rio obrigou que cais fossem construídos diante das moradias às suas margens. Alguns desses eram objetos de grande interesse visual, essencialmente os dos belos solares edificados para veraneio. É nessa altura que, talvez, tenha surgido a imagem do Recife como uma Veneza brasileira”, explicou Menezes. O esquecimento do rio começou, segundo o arquiteto, com a popularização dos automóveis, no século 20. “O rio perdeu gradualmente sua importância, e o sistema viário fluvial passou a ser abandonado. Lentamente, o Capibaribe passou a ser o grande esgoto do Recife”, pontuou.

Quem vive na beira do rio percebeu de perto essa transformação. O barqueiro Zomilton Parangaba, 66, o Mita, cresceu às margens do Capibaribe. Até hoje, sobrevive transportando pessoas do bairro da Torre para a Jaqueira. A atividade, herdada do pai, já foi assumida pelo filho de Mita, que cobra R$ 1,25 pelo serviço disponível diariamente das 6h às 20h. “Comecei a remar aos 15 anos. Tomava banho nesse rio, mergulhava para pegar areia. Hoje, não coloco nem o pé. O esgoto e o lixo acabaram com tudo”, lamentou. “Ainda assim, o rio oferece muitas possibilidades. A de transporte é uma delas. Só eu faço essa atividade nos dias de hoje, mas seria muito bom se toda a cidade pudesse contar com esse tipo de locomoção”, completou.