Uma história de destruição que insiste em se reeditar Da primeira enchente registrada à grande cheia de 1975, trajetória de desastres

Publicação: 03/06/2017 03:00

O rastro de destruição causado pela chuva que caiu em Pernambuco no último fim de semana não se justifica apenas pela força da natureza. A forma como os mananciais, aterrados ao longo dos séculos, foram tratados e a ausência de obras importantes para conter o avanço da água podem explicar a tragédia. Inundações não são um fenômeno novo no estado. A partir da leitura de documentos históricos, é possível perceber que o problema se repete ano após ano ao longo dos séculos.

A primeira enchente registrada oficialmente no Recife aconteceu em 1632. Três séculos depois, em 1966, uma grande enxurrada atingiu o estado. Pontes e barreiras não resistiram à força das chuvas. Na capital e no interior, 175 pessoas morreram e mais de 10 mil ficaram desabrigadas. “Está o Nordeste outra vez a braços com a calamidade pública: quando não é a seca, que expulsa os sertanejos de seus humildes lares, é a cheia que invade e destrói tudo na zona da mata”, publicou o Diario em 19 de março de 1967, domingo. Quase dez anos depois, a cheia histórica de 1975 foi registrada no Recife, seguida do boato de que a barragem de Tapacurá havia estourado e as águas invadiriam a cidade.

O arquiteto e urbanista José Luiz de Menezes explica que as razões para as cheias no Recife e no interior são distintas. Na capital pernambucana, o acúmulo de água nas ruas e avenidas se dá principalmente por razões naturais, que se somam a fatores humanos. As inundações, segundo o pesquisador, acontecem por causa da junção da maré alta com vários pontos da cidade abaixo da linha do mar. “Originalmente, o Recife era uma grande várzea, com pouca terra seca. A natureza é equilibrada, mas as construções foram desordenadas sobre a área molhada. Não dá para colocar a culpa apenas na chuva”, esclareceu.

Em 1855, o presidente da Comissão de Higiene Pública, Joaquim D’Aquino Fonseca, já lamentava, no relatório Bases para um plano de edificação da cidade, a extinção dos “mangues e pântanos” que se estendiam de Olinda ao Rosarinho, de Afogados a Piranga, e eram escoadouro natural das águas da chuvas. O documento foi publicado em 28 de agosto de 1855 no Diario. No começo do século 20, uma imagem de uma enchente do Rio Capibaribe, no bairro da Madalena, foi transformada em cartão-postal, tão frequente a cena era na cidade.

No interior do estado, segundo José Luiz de Menezes, fatores sociais são mais decisivos que os físicos para as tragédias. Naturalmente, os rios alargam para crescer, mas as construções foram erguidas muito próximas às áreas que os mananciais precisam para expandir, e as enchentes acabam afetando as pessoas. “Os rios têm por tendência natural, ao acumularem água, alargar. Eles expandem, como se fosse uma onda marítima, com velocidade da gravidade. Isso não é novidade e pode ser controlado com a construção de barragens, mas, infelizmente, os reservatórios programados para essas regiões frequentemente atingidas não ficaram prontos”, explicou.

Mesmo sem a construção de barragens, pontua José Luiz de Menezes, é possível minimizar as consequências das chuvas. “Se houvesse vontade política, bastaria retirar e conduzir as pessoas que vivem em áreas ribeirinhas para pontos mais altos das cidades. No entanto, o que se percebe, ao longo dos anos, é que são dadas soluções imediatas ao problema, como entrega de donativos e reconstrução precária das cidades. Depois, a questão é esquecida. Pelo menos até a próxima enchente”, afirmou.

Linha do tempo


1632
Primeira enchente oficialmente registrada no Recife, com com a “perda de muitas casas e vivandeiros estabelecidos às margens do (Rio) Capibaribe”.

1638
Maurício de Nassau ordena a construção do Dique de Afogados, a primeira barragem no leito do Capibaribe para evitar as inundações constantes.

1854
Após 72 horas de chuvas, a capital fica isolada do interior. Uma muralha que guarnecia a Rua da Aurora cai.

1855
O Diario publica o relatório Bases para um plano de edificação da cidade, onde se defende que, se fosse cumprido, o Recife talvez não passasse por alagamentos.

1869
Uma nova enchente destrói pontes e é retratada pelo pintor pernambucano Teles Júnior (1851-1914).

1966
Pontes e barreiras não resistem à força das chuvas. Na capital e no interior, 175 pessoas morrem e mais de 10 mil ficaram desabrigadas.

1975
Enchente histórica é registrada no Recife, seguida de boato de que a barragem de Tapacurá havia estourado e as águas iam invadir a capital.

1986
Maior cheia do Recife depois que o volume de chuvas começou a ser medido. Foram registrados 235 mm só na capital pernambucana.

2010
Mata Sul vive drama com uma grande enchente. A cheia atinge 68 municípios da região, destruindo casas, escolas, pontes, hospitais.

2017
Sete anos depois, os moradores da Mata Sul e do Agreste revivem o drama das inundações. São 46 mil pessoas afetadas e seis mortes

Cidades em estado de emergência

1 - Caruaru
Distância do Recife: 134 km
População: 351.686 habitantes

2 - Ipojuca
Distância do Recife: 70 km
População: 92.965 habitantes

3 - Joaquim Nabuco
Distância do Recife: 116 km
População: 16.004 habitantes

4 - Jurema
Distância do Recife: 201 km
População: 15.229 habitantes

5 - Lagoa dos Gatos
Distância do Recife: 181 km
População: 16.190 habitantes

6 -Primavera
Distância do Recife: 84 km
População: 14.657 habitantes

7 - Quipapá
Distância do Recife: 182 km
População: 25.686 habitantes

8 - Sirinhaém
Distância do Recife: 77 km
População:

9 - Tamandaré
Distância do Recife: 105 km
População: 22.850 habitantes

10 - Xexéu
Distância do Recife: 142 km
População: 14.618 habitantes

11 - Belém de Maria
Distância do Recife: 161 km
População: 11.941 habitantes

12 - Gameleira
Distância do Recife: 99 km
População: 30.426 habitantes

13 - Palmares
Distância do Recife: 123 km
População: 62.571 habitantes

14 - Amaraji
Distância do Recife: 96,5 km
População: 22.685 habitantes

15 - Maraial
Distância do Recife: 156 km
População: 11.570 habitantes

16 - Ribeirão
Distância do Recife: 85 km
População: 46.877 habitantes

17 - Cortês
Distância do Recife: 107 km
População: 12.581 habitantes

18 - Barra de Guabiraba
Distância do Recife: 123 km
População: 14.091 habitantes

19 - São Benedito do Sul
Distância do Recife: 164 km
População: 15.497 habitantes

20 - Rio Formoso
Distância do Recife: 92 km
População: 23.282 habitantes

21 - Catende
Distância do Recife: 140 km
População: 41.865 habitantes

22 - Água Preta
Distância do Recife: 128 km
População: 36.040 habitantes

23 - Jaqueira
Distância do Recife: 153 km
População: 11.649 habitantes

24 - Barreiros
Distância do Recife: 109 km
População: 42.331 habitantes

Fontes: Governo de Pernambuco, IBGE e Arquivo do Diario de Pernambuco