A saga de um Michael Jackson made in Recife Nielson Nascimento ficou famoso ao vender coxinhas vestido de astro pop e hoje investe em reciclagem e no Uber, ainda a caráter

Lorena Barros
lorena.barros@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 07/10/2017 03:00

Alguns passageiros se assustam quando Nielson Nascimento chega. De colete cintilante, chapéu e óculos escuros, avisa: “Chegou o Uber do Michael Jackson”. Ecoa o grito que deixou o cantor norte-americano famoso e convida o cliente à balada até o destino. Prefere rodar de madrugada, mas para ele não tem tempo ruim. Aos 27 anos, dirige, é mecânico de refrigeração, animador e sócio de cooperativa de reciclagem.

A rua estreita onde mora, em Brasília Teimosa, dá direto para o mar. Ele até parece político: não dá dez passos sem ser parado por alguém, dar o “gritinho do Michael” e apertar duas, três, quatro mãos seguidas.

A fama sempre foi grande, mas aumentou quando o pai perdeu o emprego e ele começou a vender coxinhas na praia. “Até tentei vender ‘normal’, mas não dava sucesso, aí pensei em usar uma fantasia de Michael Jackson que tinha feito no carnaval. Vendia tudo rapidinho, mais de 100 por dia”, lembra Nielson, que administra cinco perfis nas redes sociais, dois deles lotados.

Hoje, não precisa mais usar as seis peças de roupa sob o sol do meio-dia para vender quitutes, pois conseguiu comprar um carro, que usa para rodar com o Uber, e descobriu contatos diretos de compradores dos materiais coletados nas ruas, quase 20 toneladas por mês. Menos trabalho, mais prazer e mais remuneração, que supera os R$ 2 mil. “A pessoa anda menos coletando recicláveis do que vendendo coxinha”.

Só quem é do bairro e testemunha o zelo constante do rapaz com o Ônix azul de quatro portas sabe qual foi o primeiro carro da família. Era bem mais pesado, tinha três rodas e não precisava de gasolina - os motores eram pernas e braços, revezados entre pais e dois filhos para catar recicláveis. Foi comprado como todos os bens dos Nascimento após seu Jorge perder o emprego: de forma suada. “Fui juntando garrafa, reciclável, vendendo até conseguir comprar nosso carrinho. Foi em duas parcelas”, afirma a mãe, Maria Tereza.

Dentro do largo terreno onde hoje fica a cooperativa da família, a todo momento alguém chega para deixar sucata. “Eu já tirei R$ 100 em um dia”, conta o catador Gilson da Silva, um dos que divide a coleta com Nielson. O Jackson, além de Uber e catador, ainda faz bicos consertando condicionadores de ar. A Deus, atribui a energia necessária para ser um faz-tudo 24 horas por dia, ir dormir às cinco horas da manhã, após pegar o último cliente, e acordar às nove para consertar os aparelhos. Além da fé, sua motivação oculta parece estar na felicidade dos pais em falar para quem quiser ouvir que “Minha filha trabalha como atendente de um restaurante. Meus filhos dirigem Uber. Aqui, todo dia chegam mais de 20 abençoados para deixar sucata. Todo mundo vai se ajudando”.

Os frutos colhidos pela simpatia e bom humor, herdados da mãe analfabeta e do pai catador, não permitem que pare, só o obrigam a querer mais, sempre com o pé no chão. Hoje, a meta de vida dele é conseguir dinheiro suficiente para trocar o pequeno caminhão azul que ajuda a cooperativa a fazer entregas. O veículo, de segunda mão, foi consumido pela maresia e só anda aos trancos e barrancos. Situação incômoda, mas não assustadora. Já se acostumou: nada é impossível para os Nascimento. Nem o moonwalk.

Números
  • 20 Toneladas em média são recicladas por mês só na cooperativa
  • 100 é o número médio de catadores que passam pelo local semanalmente
  • 100 também era o número de coxinhas vendidas diariamente no Buraco da Velha