'Flautista' de 2 mil anos ganha rosto Pesquisadores da Unicap reconstituem face de índio que viveu no Agreste, 15 séculos antes da chegada dos colonizadores europeus ao continente

Publicação: 25/04/2018 03:00

Fruto de um trabalho de três meses, a imagem de um índio que viveu na região de Brejo da Madre de Deus, Agreste pernambucano, há cerca de dois mil anos, foi apresentada na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) na noite de ontem. A reconstituição facial do indivíduo, batizado como Flautista por ter sido encontrado com um objeto de osso perfurado semelhante a uma flauta, foi possível graças à tecnologia 3D empregada por meio do software Blender, um programa de computador gratuito de modelagem, animação, texturização, composição, renderização e criação de aplicações interativas. Ainda neste ano, outros componentes do acervo da universidade devem passar pela mesma transformação.

O crânio do índio estava no Museu de Arqueologia da Unicap desde 1983, quando foram realizadas as primeiras descobertas arqueológicas na Furna do Estrago, em Brejo da Madre de Deus. No local, que tem 125 metros quadrados de área - sendo 76 metros quadrados com a possibilidade de escavações - foram encontrados 83 esqueletos, a maioria tem idades entre 20 e 24 anos.

O Flautista, porém, tem idade aproximada de 45 anos. “Isso indica que ele era um indivíduo com idade avançada na época. Possivelmente, era um ancião para a tribo”, afirmou o professor de história, Flávio Chagas.

Quando viu o resultado do trabalho, o índio Makairy Fulni-ô ficou emocionado. “Cheguei a me arrepiar quando a imagem surgiu. Nossa relação com a ancestralidade é muito forte, então ver um antepassado nosso assim causa emoção. Ele é um ancestral não só nosso, mas de todos os brasileiros”, ressaltou. A tribo Fulni-ô, de Águas Belas, acompanhou a apresentação da pesquisa e agradeceu cantando a música Jesus Cristo, famosa na voz de Roberto Carlos, em yaathe, língua materna dos fulni-ô.    

Além de historiadores, o processo de transformação do crânio em uma imagem de como seria a figura do indígena contou com a participação de profissionais de outras áreas, como o médico Pablo Maricevich, cirurgião plástico e especialista em reconstrução facial no estado. “O Hospital da Restauração é a unidade de saúde pública que mais usa a tecnologia 3D para a reconstrução de faces no país. Usamos esse conhecimento para auxiliar nesse trabalho histórico”, disse.

Para chegar à imagem, o designer Cícero Moraes, de Chapecó (SC), fez um trabalho em seis etapas (veja quadro), que durou uma semana. Ele é autor da exposição Faces da Evolução, uma série de 13 painéis com modelos de rostos de hominídeos, que já foi exibida no Museu Egípcio e Rosa Cruz, em Curitiba, além de já ter sido realizada na Itália e no Peru.

O designer e a coordenadora do Museu de Arqueologia da Unicap, Roberta Richard Pinto, já estão em contato para futuras parcerias. O objetivo, agora, é transformar todo o acervo arqueológico da universidade em imagens como a do Flautista. “Temos a intenção de fazer uma reconstituição grupal com outras figuras do museu e, em seguida, fazer uma exposição”, adiantou Cícero.

O Museu de Arqueologia pode ser visitado de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 16h30, na Avenida Oliveira Lima, 824, Boa Vista. Escolas e grupos podem agendar visitas pelo telefone (81) 2119-4192.

Entenda

A reconstrução em 6 passos

  1. Primeiro, foi realizada a reconstrução do crânio com uma projeção de onde deveriam estar os dentes, por exemplo.
  2. Em seguida, foram marcadas as espessuras do tecido mole, ou seja, a projeção do nariz, lábios, orelhas.
  3. Depois, simulou-se a colocação e a deformação dos músculos principais do rosto. Assim, foi criada a escultura digital básica da face.
  4. Os dois passos seguintes foram o acabamento e a pigmentação, feitos com base em estudos científicos.
  5. Em seguida, foi feita a configuração do cabelo
  6. A última etapa foi a finalização geral do modelo