Povo de Cuieiras celebra sua história Evento cultural revela riqueza do povoado do município de Igarassu

Marcionila Teixeira
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Publicação: 07/04/2018 09:00

As sambadas de coco sob a luz da lua varavam a madrugada. Hoje, as noites de música e dança são apenas lembrança  para os mais velhos. Arlindo Calixto de Oliveira, 74 anos, tocava tambor acompanhado por amigos e amigas. Muitos agora mortos. Ele e seu coco são como raridade sonora. Resquícios de uma época de expressão cultural transbordante. Em Cuieiras, povoado de Igarassu a 35 km do Recife, restam apenas 600 moradores onde um dia habitaram três mil. Pessoas como Arlindo, muitas delas descendentes de escravos, cujas terras nunca foram reconhecidas como de quilombo. A história incomum do povo de Cuieiras despertou em apaixonados pela região uma ação de afirmação identitária no povoado. Neste final de semana, acontece mais um resultado positivo desse movimento. O Celebração Cuieiras comemora com música, oficinas e outras expressões culturais três séculos de história de um povo marcado por um processo de resistência.

Na programação aberta ao público, Arlindo toca no Coco Caieira, junto a quatro parceiros. "Comecei a brincar desde que me entendi por gente. Brincava até na luz de candeeiro, porque aqui não tinha energia. Mas faz muito tempo que não tem sambada", lamenta. A companheira dele, Arlinda Maria da Conceição, 66, é quem conta das noites de festa. "Tinha Maria Pequena que puxava o samba e os outros tinham que responder."

Cuieiras é um povoado isolado. A maioria da população vive da pesca no Rio Timbó. O transporte público se resume a dois ônibus. Um para os estudantes e outro para os moradores. Ambos com horários contados. No sábado, só há ônibus até o final da manhã. Além disso, o lugar conta apenas com uma escola municipal, um posto de saúde, duas igrejas (uma católica e outra evangélica) e duas ruas: a de Cima e a de Baixo. "Passei oito anos andando a pé para ir à escola. O ônibus chegou há dez anos", conta Jucélio Calixto de Oliveira, 39. Para ele, que assistiu a expressão cultural dos mais antigos, os jovens do povoado não querem saber dessa tradição. "Preferem o brega rasgado", diz.

Damiana Maria da Silva, 71, é pescadora desde muito jovem. Criou sozinha onze filhos depois do abandono do marido. "Só saio de Cuieiras morta, de dentro daquela casa", diz, apontando para o imóvel onde vive. Na época das festas, dançava, cantava. "Só não faço mais hoje porque não tem. Nesse final de semana, vou dançar. Os ossos não prestam mais, mas eles vão prestar nesses dias", brincou. Em Cuieiras, mesmo com a falta de estrutura e isolamento, não há sequer uma casa para vender. A ligação com as raízes parece falar mais alto.