Heroínas da resistência na Avenida Boa Viagem Atualmente existem apenas oito casas nos oito quilômetros da Avenida Boa Viagem, um dos principais cartões-postais da capital pernambucana

Adelmo Lucena

Publicação: 08/07/2024 03:00

Localizada na Zona Sul do Recife, a Avenida Boa Viagem, que possui 8 quilômetros de extensão, reúne 6,5 mil edificações que obrigam as pessoas olharem para o céu, e apenas oito casas que resistiram à especulação imobiliária. Estas pertencem à Marinha e à Aeronáutica e somente duas são particulares.

Os altos prédios luxuosos que chegam a custar milhões de reais engoliram as casas da avenida e as poucas que restam não costumam atrair os olhares de quem passa pela via pelo fato de estarem praticamente escondidas.

A Avenida Boa Viagem, que completa cem anos em outubro deste ano, vai muito além de um cartão-postal da capital pernambucana: significa um sonho para muitos que desejam morar em uma das áreas mais nobres da cidade, onde o metro quadrado custa R$ 6.202, segundo dados de julho do site Proprietário Direto.

De acordo com dados de 2018 da Prefeitura do Recife, dos imóveis construídos na avenida, 6,4 mil são residenciais e a disputa pela área é grande, fazendo com que os apartamentos sejam vendidos rapidamente até os dias de hoje. A reportagem do Diario solicitou dados mais recentes, mas não teve retorno.

Mas nem sempre a via esteve tomada por prédios e cercada pela especulação imobiliária. A Avenida Boa Viagem já foi uma estrada sem estrutura utilizada, principalmente, por pescadores que viviam longe do Centro do Recife.

A construção da avenida valorizou as construções que já existiam na localidade e atraiu obras de infraestrutura e saneamento, o que contribuiu para o crescimento populacional das áreas do entorno e mudanças no padrão de ocupação habitacional, que se firmou nas proximidades da praia.

A inauguração da ponte Agamenon Magalhães na década de 1940 interligou Boa Viagem e o Centro do Recife, fazendo com que o bairro fosse ainda mais valorizado, atraindo capital imobiliário e construção de casas e comércios no bairro da Zona Sul. Naquela época, o crescimento estava atrelado ao grau de turismo e à especulação imobiliária.

“Depois da inauguração da ponte do Pina, o acesso à Boa Viagem ficou mais fácil. O bairro deixou de ser de veraneio para ser um bairro residencial. Em 1955, há um marco da verticalização do bairro, que é a inauguração do Hotel Boa Viagem, a construção do Edifício Holiday, além da construção dos edifícios Califórnia e do Acaiaca”, explica o historiador e professor da Universidade Federal de Pernambuco, Rômulo Xavier.

Na década de 1970, houve uma aceleração na construção de prédios na avenida, causando uma alteração na paisagem e impactando a malha urbana. Além disso, o crescimento acelerado de prédios mais altos causou o sombreamento das áreas de lazer e afetou a erosão costeira.

Os melhores terrenos ficaram sob posse das pessoas mais ricas e afastou os moradores de comunidades. Com isso, a orla de Boa Viagem começou a ser formada, os aspectos naturais da praia foram alterados e as pessoas mais pobres se mudaram para áreas de mangue.

Com a construção acelerada dos prédios, houve uma redução da praia de 5,15% para 4,51%, de acordo com o artigo “Análise do uso e ocupação do solo no bairro de Boa Viagem na cidade de Recife-Pernambuco (1974-2013)”, da geógrafa Carla Iamara Vieira. Essa mudança também possui relação com o aquecimento global e foi intensificada pelas obras à beira-mar. Além disso, o imediatismo trouxe problemas de impermeabilização do solo e trânsito.

“Os prédios concentram uma quantidade maior de moradores em uma rua. Antes existiam ruas com casas com 20 ou 30 famílias e quando se constrói prédios, muitos passam a ter, às vezes, até mil famílias naquela rua. Além de prejudicar a ventilação, criar ilhas de calor, poluição visual, tem a questão também do trânsito. Impacta também na infraestrutura de saneamento, por exemplo, de esgoto, de água, que precisa ser revista para atender essa demanda”, explica Arthur Andrade.