INSTITUIçõES CENTENáRIAS DE PE » Um restaurante que se chama História Fundado por um imigrante português no coração do Recife, o Leite recebeu personalidades e políticos do Brasil e também do mundo

LARISSA AGUIAR

Publicação: 24/03/2025 03:00

Pelas mesas do Leite, famílias inteiras já vivenciaram momentos importantes entre pratos especiais e sobremesas que são a cara do Recife (MARINA TORRES/DP FOTO)
Pelas mesas do Leite, famílias inteiras já vivenciaram momentos importantes entre pratos especiais e sobremesas que são a cara do Recife

No coração do Recife, onde os séculos se encontram entre becos e casarões históricos, um estabelecimento resiste ao tempo: o Restaurante Leite. Fundado em 1882 pelo imigrante português Armando Manoel Leite de França, ainda sob os últimos suspiros do Brasil Império e antes da abolição da escravatura, o mais antigo restaurante em funcionamento do país transcende a gastronomia. O Leite não é simplesmente um restaurante; é um monumento vivo da cultura pernambucana, um relicário de tradições e encontros memoráveis.

Entre taças e detalhes reluzentes desfilaram senhores de engenho, intelectuais e políticos do século XIX, firmando o Leite como um ponto de referência da gastronomia pernambucana. O restaurante acompanhou revoluções, golpes, grandes decisões e incontáveis celebrações.

Seus salões testemunharam o vai e vem de personalidades ilustres como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Orson Welles, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros, e, tragicamente, o fatídico almoço do então governador da Paraíba, João Pessoa, pouco antes de seu assassinato em 1930.

COZINHA
Se a história do Leite é uma narrativa de encontros e eventos, sua cozinha é um capítulo à parte. O cardápio, que transborda tradição, tem nos frutos do mar e no bacalhau seus protagonistas. O Bacalhau à Amadeu Dias, grelhado no azeite com cebola, alho, azeitonas, pimentão e batata cozida, é um ícone da casa. Os bolinhos de bacalhau, o arroz de tomate e a panqueca de camarão completam o leque de sabores que atravessaram gerações.

Mas, entre todos os pratos, um brilha com a luz do açúcar e da canela: a cartola. A sobremesa tipicamente pernambucana – banana caramelizada, coberta por queijo manteiga derretido e polvilhada com açúcar e canela – transfigurou um emblema do restaurante e, para muitos, a melhor da cidade.

Além dos que frequentam o restaurante, os funcionários da casam exercem todos os dias de maneira excelentíssima, um trabalha que faz manter a tradição do restaurante viva, com o padrão de qualidade que faz com que o Leite preserve suas raízes.

TRAJETÓRIA
“Comecei no Restaurante Leite em 1974, com 18 anos, lavando panelas e chão. Depois, fui para o garde manger, onde estou até hoje. Este restaurante é a minha vida. Aqui cresci, evoluí e construí tudo o que tenho: minha família, minha casa, meu carro. Nunca trabalhei em outro lugar e não será diferente, porque este foi meu primeiro e será meu último emprego. Vi Daniela (atual administradora) crescer e hoje a vejo dar rumo a esse lugar tão importante para mim”, diz Manoel da Silva, funcionário mais antigo em atividade.

Com a atualização das demandas do restaurante, o Leite está em obra para a expansão do espaço, fazendo com que consiga aumentar o número de pessoas que frequentem e conheçam a história do lugar.  “Estamos com muita expectativa para finalizar a obra e conseguir atender todos os nossos clientes da melhor forma possível. Queremos proporcionar um ambiente tradicional, acolhedor, onde as pessoas se desconectam da correria da cidade. Buscamos manter a essência do restaurante sem perder de vista as inovações tecnológicas”, disse Rafaela, encarregada administrativa.

O Leite segue como um estabelecimento que resiste. Para os que ainda cruzam suas portas em busca de um banquete digno dos tempos imperiais, o desejo é apenas um: que as próximas gerações possam, como as passadas, encontrar ali o sabor da tradição, temperado com a essência de Pernambuco.