ACERVO PATRIMÔNIO NACIONAL » Da Suécia para o Recife com o primeiro mundial da história Às 8h45 da manhã do dia 2 de Julho de 1958, a aeronave DC-7C da Panair tocava a pista do Aeroporto dos Guararapes. A bordo, a Seleção Brasileira de futebol, campeã da Copa do Mundo da Suécia. A história de como Recife foi a primeira cidade do país a recepcionar os outros craques ganhou as páginas do Diario de Pernambuco há 67 anos. E está de volta na contagem regressiva para os 200 anos do jornal.

Carlos Lopes

Publicação: 09/08/2025 03:00

Contra a antiga União Soviética, ainda na fase de grupos da Copa de 58, o Brasil de Pelé alcançou a vitória por 2 a 0 (ARQUIVO DP)
Contra a antiga União Soviética, ainda na fase de grupos da Copa de 58, o Brasil de Pelé alcançou a vitória por 2 a 0

O primeiro título do Brasil na história das copas do mundo de futebol masculino veio após o estrondoso silêncio ensurdecedor no Maracanazo, quando a Seleção deixou escapar a vitória sobre o Uruguai e deu adeus ao título de 1950, e do vexame da Batalha de Berna, nome dado ao jogo em que o esquadrão nacional foi atropelado na bola pelos húngaros e apelou para a pancadaria no final da partida, no mundial de 1958.

A culpa pelos fracassos fora atribuída aos jogadores de “cor”, “fracos no emocional e incapazes de enfrentarem a pressão de uma copa”. O preconceito era reverberado pelos quatro cantos do país e velado, internamente, na delegação brasileira que embarcou para a Suécia. 

A Seleção dos “negros” Didi e Pelé, e dos “mestiços” Garrincha e Vavá - como descritos à época -, grandes destaques da copa, superou barreiras que nenhuma outra passou perto, baniu o ‘complexo de vira-lata’ citado por Nelson Rodrigues, e foi a melhor das representações de um povo que se encantava com a arte e a raça do futebol nacional nas gélidas Gotemburgo e Estocolmo. O 5x2 sobre os anfitriões suecos no dia 29 de junho mostrou a supremacia do melhor futebol do mundo, dito não apenas pelos brasileiros. Pelé já era chamado de Rei, aos 17 anos, e Didi, eleito como craque da copa. 

RETORNO
Na longa viagem de retorno ao Brasil, a Seleção recebeu homenagens nos aeroportos de Londres e Paris, e os jogadores cansaram o punho de tantos autógrafos. Na terceira parada, em Lisboa, foram recebidos com um coquetel oferecido pela embaixada brasileira e ovacionados nos estádios do Sporting e Benfica, com direito a volta olímpica e exibição da taça Jules Rimet. Logo após, enfim, embarcariam para o Brasil.

O Recife acordou debaixo de um forte toró. O que não impediu centenas de torcedores pernambucanos de ir ao aeroporto desde o começo da manhã. Ver com os próprios olhos os novos deuses da bola era o desejo de uma massa que começou a se aglomerar nos Guararapes, a partir das 6h. 

A aeronave da Panair aterrissou às 8h45 e, após algum tempo de espera, os campeões mundiais foram descendo a escada de apoio, protegidos por guarda-chuvas. A pista do aeroporto foi tomada em parte por imprensa e autoridades, mas principalmente por muitos torcedores que romperam o cordão de isolamento da polícia e tentaram se aproximar dos seus ídolos.

Deu trabalho levá-los até os carros da comitiva que desfilaria por Boa Viagem até o centro da cidade. Difícil mesmo foi atravessar a Avenida Guararapes, pela primeira vez tomada por uma multidão, munida de guarda-chuvas e sombrinhas a cantar e festejar, sob uma névoa de papel picado atirado do alto, das janelas dos prédios. 

Os craques nacionais puderam experimentar, com décadas de antecedência, o gostinho do que viria a ser um desfile do Galo da Madrugada. Vencida a Guararapes, a comitiva desembarcou no Clube Português, nas Graças, onde um ‘brunch’ havia sido oferecido à delegação.

Os jogadores entraram no salão do clube exaustos após a maratona de homenagens desde a saída de Estocolmo. A curiosidade maior era saber onde estava o tal do Pelé, que tanto jogou na Suécia, a ponto de ser chamado de rei com apenas 17 anos. Identificado, foi ovacionado e curvou-se em agradecimento aos seus novos súditos.

O pernambucano Vavá chorou com as homenagens prestadas na volta para casa. O Sport, onde ele havia iniciado a carreira, o presenteou com a estatueta de um leão em bronze, entregue pelo então deputado Adelmar Costa Carvalho. O centroavante, que vencera as mais duras marcações na Suécia, sucumbiu ao corpo a corpo dos fãs.

RECADO
O comandante do time, o técnico Vicente Feola, conversou com a reportagem do DP, antes da delegação retornar aos Guararapes para seguir rumo à Capital Federal, o Rio de Janeiro na época, onde o presidente da República Juscelino Kubitschek os aguardava. “Pode dizer ao seu povo: Sinto-me feliz e imensamente grato ao Diario de Pernambuco, pela maneira correta, imparcial, que deu aos seus comentários durante a campanha do meu selecionado”.