Mais que duas rodas no asfalto Com postura de solidariedade, motoclubes destoam do imaginário popular que os ligam a crimes e violência

texto: Rostand Tiago
rostandtiago@diariodepernambuco.com.br
FOTOS: Rafael Martins

Publicação: 22/04/2017 03:00


No imaginário popular, os grupos de motociclistas são vistos como violentos e praticantes de atividades criminosas. O estereótipo ganha força através de produções audiovisuais norte-americanas, como o icônico filme Easy rider (1969) e a série Sons of anarchy (2008-2014). Em Pernambuco, porém, essa imagem é desconstruída. Se em um primeiro olhar o que chama a atenção são as roupas pretas e as “caras fechadas” dos motociclistas, um olhar mais aprofundado nos motoclubes organizados no estado testemunha uma existência dedicada ao prazer de cair na estrada como parte de um lazer familiar somado à responsabilidade social.

Um exemplo disso é o Brasil Caveira Motoclube. A sede do grupo, chamada de Cemitério dos Caveiras, pode assustar em uma primeira impressão, mas o ambiente promovido pela organização mostra o contrário. “Nós praticamos o ‘motociclismo familiar’, nosso lema é irmandade, respeito e liberdade”', afirma Brasil Caveira, presidente do grupo que leva seu nome.

Com 12 anos de existência, o motoclube é considerado o “marco zero do motociclismo em Pernambuco”', aberto aos apaixonados pela atividade nas duas rodas. Brasil Caveira pilota o Caveirão, um grande triciclo empanturrado de ornamentos como cabeças de boneca, peneiras, um penico e, obviamente, caveiras. Intitula com orgulho o triciclo como o “mais feio do Brasil (e quem sabe do mundo)”.

O Brasil Caveira, assim como diversos motoclubes do estado e do país, operam sob o alicerce da irmandade, prontos a auxiliar qualquer membro que passe por dificuldades. De reboque e conserto para motos até auxilios profissionais, a disponibilidade de ajudar os companheiros é uma das bases do movimento em Pernambuco. “Semana passada mesmo, um casal membro teve um problema com a moto em uma localidade esquisita. Conseguimos o reboque e todo o apoio para eles”, exemplifica Edson Araújo, jornalista e membro do Brasil Caveira.

Quem confirma isso são dois dos integrantes novatos do grupo, Conceição Penha, conhecida como Ceça e Ismael Cordeiro, chamado pelo bando de Comissário. Ceça participa das atividades do grupo há três meses, já o Comissário está com um mês na organização. Ambos participam das reuniões e eventos, demonstrando felicidade pelo acolhimento dos demais membros. “Aqui o que se observa é o sentimento de irmandade, ninguém é melhor que ninguém”, apontou Ismael. Ceça chama bastante atenção, pois, além de ser uma das poucas mulheres integrantes do grupo, ainda leva seu marido como garupa oficial. “Não sinto preconceito no Brasil Caveira de forma alguma, aqui sempre prevalece o respeito acima de tudo”, afirma.

Ponto de encontro no Engenho do Meio

No Cemitério dos Caveiras acontecem as reuniões com motociclistas, triciclistas e motoclubes de todo o estado. Escorpiões do Asfalto (de Itamaracá), Harmonia, Cães de Guerra, Rota de Cristo, A Rota 51 e Lobos Ágeis são alguns que têm o local no Engenho do Meio como ponto de encontro para uma diversão familiar e troca de experiências.

Nas reuniões, participam motociclistas com diferentes filosofias de vida.  Gabriel Hippie, que comanda um motoclube que leva seu nome em Gravatá, é um dos mais peculiares. "Em 1971, eu entrei no movimento hippie, viajando por todo país. Em 1985, eu conheci a cultura do motociclismo, que se encaixava em uma vida de liberdade", relata. Além das atividades motociclísticas, Gabriel ainda trabalha como artesão, produzindo artigos de couro com a estética do motociclismo.

A confraternização entre os amantes da velocidade acontece também em outras localidades do Grande Recife. Olinda é a sede do Coyotys MC Brasil, localizado na Rua do Sol. O grupo começou no bairro de Jardim Atlântico, em 1999, sob o nome de Coyotys do Asfalto. Hoje, é responsável por promover eventos que trazem pessoas do país inteiro.

Segundo Sérgio Coyoty, presidente do motoclube, para entrar na organização precisa ser indicado por algum membro. Porém, ele ressalta que visitas à sede e conversas com os diretores podem ser uma porta de entrada para o grupo. As reuniões do Coyotys, normalmente realizadas às quintas-feiras, têm atmosfera familiar, sendo frequente a presença de filhos dos membros. Sérgio afirma que, assim como o Brasil Caveira, o Coyotys preza pela construção de um ambiente familiar, evitando associações com a violência.

"Nós praticamos o motociclismo familiar. E o nosso lema é irmandade, respeito e liberdade”
Brasil Caveira, fundador e presidente do Brasil Caveira Motoclube

Fases de um membro do motoclube
  1. PRÓSPERO
    Essa é a fase inicial da jornada. O próspero é identificado por um colete liso, com o seu nome e o do motoclube na parte frontal da vestimenta. Ele precisa aprender lições básicas de auxílio nas viagens, como primeiros socorros. A fase dura  de 3 a 6 meses conhecendo o funcionamento da organização. Frequantar reuniões é vital para chegar na próxima fase.
  2. MEIO-ESCUDO
    Na fase intermediária, o motociclista já possui o nome do motoclube nas costas do colete. Sua frequência em viagens, reuniões e eventos continua necessária. O membro meio-escudo ode ser designado para tuar em alguma diretoria a organização do grupo (comunicação, administrativo, mecânica).
  3. COLETE FECHADO
    A última etapa na escala dos moto clubes. O "colete fechado" possui o escudo e o nome do bando nas costas do colete. Para chegar nesse nível, o motociclista precisa estar há pelo menos um ano dentro do grupo. Ao se tornar colete fechado, já pode exercer a liderança de forma efetiva, organizando eventos e viagens.
Check-Up para viagens longas
  • Verificar lâmpada
  • Manter sempre uma tração nova
  • Pneus novos e calibrados
  • Documentos atualizados
  • Roteiro programado
  • Compartilhar o roteiro da viagem com alguém para acompanhamento
  • Observar os equipamentos de segurança
  • Administrar paradas para alimentação e descanso
Estradas mais difíceis

Os motociclistas apontam as BRs como estradas mais desafiadoras que as rodovias estaduais.

A BR-101, por exemplo, traz uma série de buracos e  deficiências na sinalização.  Defeitos também recorrentes na BR-232. Características aferidas em relatório da Confederação Nacional do Transporte (CNT) de 2016, que aponta 96% das rodovias pernambucanas como regulares, ruins ou péssimas.