Uma herança amarga da época dos sobrados e dos mocambos
Conquistas trabalhistas ainda recentes, como o salário mínimo, além do acesso a serviços públicos de educação e saúde, podem começar a pavimentar um caminho de mudança de um abismo social ainda identificado após mais de 500 anos de história
texto: João Vitor Pascoal
joaovitor.pe@dabr.com.br
Publicação: 27/08/2016 09:00
Muita terra nas mãos de poucos. Plantações de cana-de-açúcar a perder das vistas dos senhores de engenho. Aos escravos, senzalas. A realidade vivenciada em diversas capitanias hereditárias do Brasil-colônia atravessou séculos. Mudaram os contornos. De acordo com o sociólogo Ronald Vasconcelos, a realidade de concentração de renda vivenciada na capital pernambucana tem raiz profunda e histórica. “O sistema econômico predominante teve origem na cultura da cana-de-açúcar, baseada na produção escravocrata, cujo dinamismo econômico é baixíssimo, daí a concentração de renda”, resume.
Ao longo das décadas, a população deixou as plantações em busca do que hoje seriam os centros urbanos. No Recife, como ocorre em outras cidades, o “êxodo” acarreta na miséria de fatia expressiva da população. Os antes ocupantes de senzalas passam a ocupar centros urbanos em submoradias.
“Com a libertação dos escravos e aumento da urbanização, a massa de trabalhadores é esquecida, formando verdadeiro contingente de mão de obra de reserva, que passa a se integrar, sob baixa remuneração, em serviços não especializados”, explica Ronald. Faxineiros, engraxates, carregadores de carga, cuidadores de animais, comércio informal e improviso compõem a realidade de ex-escravizados, seus filhos e netos.
O geógrafo Jan Bitoun ressalta que os trabalhos “qualificados” foram restritos a um pequeno grupo da população.
“O trabalho intelectual foi crescentemente remunerado, mas reservado a segmentos sociais frequentemente vinculados ao estado, que tiveram acesso à instrução, configurando a emergência dos bacharéis, descrita por Gilberto Freyre em Sobrados e mocambos como um grupo intermediário entre os poucos ricos e poderosos e os trabalhadores pobres”.
A esse cenário junta-se o intenso fluxo de migração da população do interior em busca de trabalho, no século 20, possibilitando extrema redução salarial. “Com a concentração industrial no Sudeste, houve o enfraquecimento de sindicatos operários e a manutenção de formas não monetárias de remuneração (alojamento, comida, roupas), com predominância de mulheres”, completa Bitoun.
Talvez por isso, conquistas trabalhistas ainda recentes, como o salário mínimo e o acesso a serviços públicos de educação e saúde comecem a pavimentar um caminho de mudança de um abismo social ainda marcado por cicatrizes profundas.
O desafio de evoluir junto
Apesar das diferenças no próprio Poço da Panela, há a tentativa dos moradores de socializar o bairro como um todo. Laura Ferraz é a presidente da Associação dos moradores e amigos do Poço da Panela (Amapp), que realiza a Feira Livre do Poço, em que dezenas de ambulantes trabalham na venda de comidas e bebidas. “Acho que ajudamos as pessoas para que, através do trabalho, possam evoluir”, aponta, tratando ainda da parceria com bares e restaurantes locais, que estabelece elo entre moradores e empregos disponíveis. “Consigo ajudar muitos moradores juridicamente. Coisas que normalmente têm custo razoável, mas faço de graça”, garante Laura.
Ao longo das décadas, a população deixou as plantações em busca do que hoje seriam os centros urbanos. No Recife, como ocorre em outras cidades, o “êxodo” acarreta na miséria de fatia expressiva da população. Os antes ocupantes de senzalas passam a ocupar centros urbanos em submoradias.
“Com a libertação dos escravos e aumento da urbanização, a massa de trabalhadores é esquecida, formando verdadeiro contingente de mão de obra de reserva, que passa a se integrar, sob baixa remuneração, em serviços não especializados”, explica Ronald. Faxineiros, engraxates, carregadores de carga, cuidadores de animais, comércio informal e improviso compõem a realidade de ex-escravizados, seus filhos e netos.
O geógrafo Jan Bitoun ressalta que os trabalhos “qualificados” foram restritos a um pequeno grupo da população.
“O trabalho intelectual foi crescentemente remunerado, mas reservado a segmentos sociais frequentemente vinculados ao estado, que tiveram acesso à instrução, configurando a emergência dos bacharéis, descrita por Gilberto Freyre em Sobrados e mocambos como um grupo intermediário entre os poucos ricos e poderosos e os trabalhadores pobres”.
A esse cenário junta-se o intenso fluxo de migração da população do interior em busca de trabalho, no século 20, possibilitando extrema redução salarial. “Com a concentração industrial no Sudeste, houve o enfraquecimento de sindicatos operários e a manutenção de formas não monetárias de remuneração (alojamento, comida, roupas), com predominância de mulheres”, completa Bitoun.
Talvez por isso, conquistas trabalhistas ainda recentes, como o salário mínimo e o acesso a serviços públicos de educação e saúde comecem a pavimentar um caminho de mudança de um abismo social ainda marcado por cicatrizes profundas.
O desafio de evoluir junto
Apesar das diferenças no próprio Poço da Panela, há a tentativa dos moradores de socializar o bairro como um todo. Laura Ferraz é a presidente da Associação dos moradores e amigos do Poço da Panela (Amapp), que realiza a Feira Livre do Poço, em que dezenas de ambulantes trabalham na venda de comidas e bebidas. “Acho que ajudamos as pessoas para que, através do trabalho, possam evoluir”, aponta, tratando ainda da parceria com bares e restaurantes locais, que estabelece elo entre moradores e empregos disponíveis. “Consigo ajudar muitos moradores juridicamente. Coisas que normalmente têm custo razoável, mas faço de graça”, garante Laura.
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