O dia em que Garanhuns virou cenário de faroeste Mais de 100 homens fortemente armados vindos de Brejão a mando da família Brasileiro espalharam terror e mortes pelas ruas da cidade. Execuções tinham como objetivo vingar o assassinato do deputado estadual Júlio Brasileiro

Publicação: 14/01/2017 03:00

A notícia do assassinato de Júlio Brasileiro, que ascendia como liderença política na região, rapidamente espalhou-se por Garanhuns. Após receber o telegrama enviado pelo deputado Eutrópio Silva, no qual foi informada da morte do marido, Ana Duperron e os parentes de Júlio escreveram para Alfredo Brasileiro Viana, sobrinho de Júlio que morava em Brejão, pedindo que ele viesse a Garanhuns com vários jagunços. A presença dos mais de 100 homens armados pelas ruas da cidade assustou a população e os adversários políticos de Brasileiro. A princípio, a viúva e os familiares de Júlio disseram que os jagunços seriam para protegê-los, no entanto, em pouco tempo, iniciaram a vingança do crime ocorrido no Recife. Casas e estabelecimentos comerciais dos políticos que faziam oposição a Brasileiro começaram a ser atacados.

“Ao saber da morte do marido, Ana Duperron disse que não receberia pêsames. Falou também que só vestiria luto quando as outras vestissem e que só choraria quando as outras chorassem, referindo-se às mulheres dos líderes políticos adversários de Júlio Brasileiro. Ela acreditava que a morte do marido havia sido tramada por eles”, ressalta o professor e escritor José Cláudio Gonçalves de Lima. Ele é o coordenador da Comissão do Memorial do Centenário da Hecatombe de Garanhuns, criada pelo Instituto Histórico e Geográfico de Garanhuns para registrar a passagem dos 100 anos da tragédia.

Com medo, muitas famílias deixaram a cidade. Quem ficou, preferiu o silêncio. Nem mesmo os descendentes dos envolvidos ou vitimados na hecatombe costumavam tocar no assunto. E assim foi por muitas décadas. Hoje, pouca gente conhece a história.

Natural de Garanhus, o escritor Mário Márcio de Almeida Santos também escreveu sobre o tema. Ganhou o prêmio Othon Bezerra de Melo, da Academia Pernambucana de Letras (APL), em 1992, com o livro Anatomia de uma tragédia - a Hecatombe de Garanhuns. Mário Márcio, que ocupou a cadeira de número 4 na APL, morreu em setembro do ano de 2015, aos 88 anos.

Com ameaças a todo momento, o pânico tomou conta da cidade naquele 15 de janeiro. “Os jagunços e parentes de Brasileiro foram até a casa de Manoel Jardim, onde agrediram as filhas e a esposa dele. Em seguida, foram ao armazém dos irmãos Miranda e atiraram várias vezes, mas Argemiro e Júlio Miranda estavam escondidos. Depois seguiram para o armazém de Sátiro Ivo e ameaçaram invadi-lo, mas depois foram embora”, relata José Cláudio Gonçalves. Ainda segundo o professor, os agressores seguiram para a casa de Antônio Borba Júnior, aliado dos Jardins, mas também não o encontraram.

Temendo pela sua vida, Borba Júnior pediu ajuda ao delegado e tenente Antônio de Pádua Pimentel Meira Lima, que o aconselhou a se esconder na delegacia, onde também funcionava a cadeia pública da cidade. “Logo em seguida, o tenente Meira Lima foi até a casa da viúva Ana Duperron, onde já estava o juiz José Pedro de Abreu e Lima e os parentes de Brasileiro. Foi quando nasceu o plano de mandar todas as outras lideranças políticas para a delegacia dizendo que lá estariam protegidos. Além disso, o delegado havia retirado grande parte da munição que estava na delegacia. Horas mais tarde, perto das 15h, todos os líderes políticos foram supliciados. Foi um tiroteio que durou quase meia hora. Foi muita violência. O reforço policial que estava vindo do Recife só chegou por volta das 16h”, destaca o professor.

“Houve uma grande conspiração para que esse fato (hecatombe) acontecesse. Todos que morreram eram pessoas idôneas, fundadores de Garanhuns. Manoel Jardim foi quem trouxe iluminação para essa cidade, inaugurou a primeira escola e calçou várias ruas. Além da elite política que foi assassinada, cinco soldados morreram e hoje pouca gente sabe quem foram essas pessoas que morreram tentando defender os outros, o que é uma grande injustiça”, aponta o advogado Luís Afonso de Oliveira Jardim, 57 anos, descendente de Manoel Jardim e membro da Comissão do Memorial do Centenário da Hecatombe de Garanhuns.

Luís Afonso conta que só houve reação por parte das pessoas que estavam dentro da delegacia porque suas tias conseguiram mandar duas armas e munições escondidas em bandejas de comida. “Somente por isso eles reagiram. Mas não conseguiram sobreviver. Manoel Jardim estava tão doente que foi levado para a cadeia pública em uma cadeira”, completa Luís Afonso.

Aos 74 anos e neta de Argemiro Tavares de Miranda, dona Norma Carneiro Leão de Miranda Losada conta o que sabe sobre a hecatombe. “Esse assunto sempre foi muito velado na família. Meu pai tinha 8 anos quando meu avô foi assassinado e minha avó, Mirandolina Souto de Miranda, deixou Garanhuns com os quatro filhos pequenos. Meu tio Teotônio por pouco não morreu também. Ele estava na cadeia pública, mas os jagunços disseram que não matariam criança. Neste domingo, vou mandar celebrar uma missa em memória de todos os que morreram na hecatombe”, destaca Norma Miranda. Até hoje, ela guarda o relatório do inquérito policial feito pelo então juiz de Gravatá, José Francisco Ribeiro Pessoa, que investigou as mortes. As cópias foram custeadas pelas viúvas das personalidades assassinadas, entre elas a avó de dona Norma.

Algumas cenas da Hecatombe de Garanhuns

12 de janeiro de 1917 - O capitão Francisco Sales Vila Nova, que costumava escrever artigos denunciando as ações praticadas por familiares do deputado estadual e tenente-coronel Júlio Brasileiro, é espancando por seis homens mascarados quando chegava em sua casa, em Garanhuns, por volta das 22h. Ele leva uma surra de cipó de boi e fica com o corpo marcado. Era uma sexta-feira.

14 de janeiro de 1917 - No domingo, Sales Vila Nova viaja para o Recife com o objetivo de denunciar à polícia a surra que havia levado e atribuído a culpa a Júlio Brasileiro. Após chegar à capital pernambucana, encontrou Brasileiro no antigo Café Chile, na Praça de Independência, por volta das 20h, e o matou com dois tiros. Sales Vila Nova foi preso logo em seguida.  

15 de janeiro de 1917 - Na segunda-feira, a viúva de Júlio Brasileiro, Ana Duperron, recebe telegrama informando sobre a morte do marido. Ela acredita que Júlio foi morto a mando dos seus adversários políticos e decide, junto com parentes de Brasileiro, matar todos as lideranças políticas contrárias a Júlio. Para isso, tem a ajuda do juiz e do delegado da cidade.   

15 de janeiro de 1917 - Adversários políticos de Brasileiro foram levados para a cadeia pública da cidade, sob a alegação de que lá estariam protegidos. No entanto, foram encurralados e mortos. Ana Duperron e familiares de Júlio trouxeram jagunços de Brejão para executar a matança na cidade. Por volta das 15h, cerca de 100 homens cercaram a cadeia e começaram o massacre. 

15 de janeiro de 1917 - Após a matança, Ana Duperron, os sobrinhos e o irmão de Júlio Brasileiro, além de alguns jagunços que participaram do massacre, foram para a sala da casa da viúva onde comeram, beberam e dançaram para comemorar as mortes. O trem que trazia reforço policial do Recife para tentar evitar a matança só chegou em Garanhuns por volta das 16h. 

16 de janeiro de 1917 - Por volta das 5h, o corpo de Júlio Brasileiro chegou a Garanhuns. O enterro aconteceu às 6h. Ainda pela manhã, Ana Duperron, o genro, a filha e o neto, embarcaram no trem para o Recife. Também nele veio o juiz Antônio Pedro de Abreu e Lima. No mesmo trem viajariam Alfredo Viana e Eutíquio Brasileiro (sobrinho e irmão de Brasileiro), mas foram presos.

As vítimas 
Dezoito pessoas foram assassinadas na cidade no dia 15 de janeiro de 1917
Essa data ficou conhecida como a Hecatombe de Garanhuns

Personalidades

Sátiro Ivo da Silva
Comerciante

Francisco Velloso da Silveira
Ex-prefeito

Argemiro T. de Miranda
Ex-prefeito e comerciante

Júlio Tavares de Miranda
Comerciante

Manoel Antônio de Azevedo Jardim
Ex-prefeito

Luiz Gonzaga Jardim
Estudante

Antônio Borba Júnior
Médico

Policiais militares
Antônio Pedro de Souza (Cabo Cobrinha)
Antônio Pedro Dias
Manoel João de Oliveira
Francisco Maciel Pinto

Jagunços
Vicente Ferreira (Vicentão)
Bernardino Oliveira
Vicente Gomes
Pedro Biu
Artur Pezão

Morador da cidade
Antônio Mariano