A AJUDA HUMANITáRIA » 'Denunciei para meu amor voltar' Vítimas da própria dor buscam se fortalecer em redes de ajuda humanitária, na tentativa de resgatar jovens em conflito com a lei

Publicação: 24/06/2017 03:00

Alecsandra da Silva, 51 anos, fez a escolha mais difícil de sua vida. Entregou o filho à polícia. Repassou detalhes da roupa, a localização dentro da favela. Em poucos minutos, a polícia chegou. André Roberto da Silva, 15, não voltaria o mesmo daquela jornada em direção à Funase. Quanto a Alecsandra, a vida lhe entregou um novo papel. Tornou-se representante das mães da Funase. Uma luta marcada pela solidão e pelo medo. Alecsandra hoje evita ser fotografada.

Com tão pouca idade, André já era um dos principais traficantes de drogas da Favela do Jacarezinho, na Cidade Universitária. Alecsandra lembra bem do dia fatídico. Ao chegar perto de casa, deparou-se mais uma vez com a cena do jovem na esquina negociando entorpecentes. Caminhou até sua residência. Pegou o celular e ligou para a PM.

Corroída pela culpa, Alecsandra segue cumprindo o pedido do filho. Pouco antes de morrer baleado, o adolescente colocou a cabeça no colo da mãe e disse: “Mãe, te amo. Não desiste de meus amigos da Funase.” E assim tem sido. O jovem morreu dias depois de deixar a unidade de Abreu e Lima, onde passou sete meses. Foi assassinado por dois homens, antigos comparsas da Favela do Detran. Aproximaram-se em uma moto quando André tomava um refrigerante com a mãe, na frente de casa. “Eles disseram: ‘Ei, boy’ e meu filho falou para mim: ‘Fique aí, não venha não’. Senti medo nos olhos dele. Estava pálido. Eles deram seis tiros. Corri para cima. Ainda levei um tiro de raspão.”

Alecsandra conta ter entregue o filho à polícia para salvá-lo. Não imaginava o destino trágico. “Ele não era mais o mesmo depois que saiu da unidade. Não tinha mais vontade de viver. O corpo estava todo furado. Passou por muita coisa lá dentro. Só rebeliões foram três”. Para ela, se a Liberdade Assistida funcionasse, o filho não teria morrido. Essa é uma das suas principais bandeiras hoje. Alecsandra sempre recebe denúncias de irregularidades nas unidades. Depois da morte do filho, foi vítima de dois atentados.

Na opinião do promotor Guilherme Lapenda, do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude (CAOPIJ), o resgate familiar promovido por Alecsandra foi acertado. “A família deve ser orientada a perdoar e não comungar com a infração.”

Oito anos se passaram desde o assassinato de André. A cada Dia das Mães, Alecsandra percebe a presença do filho. “Sou evangélica, mas sinto um cheiro forte. Sinto que meu filho me protege, me ama. Ele fazia pipa, pegava beta, azeitona. Não conhecia mais ele depois que entrou no tráfico. Ficou frio. Foi por conta de amizade. Na Funase é que vim conhecer meu filho novamente. Denunciei ele para meu amor voltar”. Quanto a André, morreu sem saber quem tinha lhe denunciado. Melhor assim, pensa a mãe.

Perfil das vítimas

Das 199 crianças e adolescentes mortas de janeiro a abril de 2017
  • 84 vítimas ou 42,2% têm 17 anos
  • 187 vítimas ou 93,9% são do gênero masculino
  • 102 vítimas ou 51,2% assassinadas à noite ou de madrugada
  • 183 vítimas ou 96,9% são pardas
Dias mais violentos do ano para adolescentes
  • 12 e 14 de fevereiro
  • 1 e 28 de abril
Cada um deles registrou cinco mortes de adolescentes por dia