Uma nova voz para Abby Única guarda municipal trans do Brasil, ela também é a primeira mulher trans a se submeter à cirurgia de feminização da voz no Norte e Nordeste

Marcionila Teixeira
marcionila.teixeira@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 15/09/2018 03:00

O silêncio durou exatamente 15 dias. Conforme recomendação médica, Abby Silva Moreira, 40 anos, precisava manter-se em repouso vocal absoluto. Na última semana, a paciente foi autorizada pela equipe do Hospital das Clínicas (HC) a voltar a falar. De início, pouco e baixinho. Quase chorou de emoção ao escutar sua nova voz.

Abby é guarda municipal de Jaboatão dos Guararapes, a única mulher trans integrante da corporação em todo o país. Agora, ela ostenta outro título inédito. É a primeira mulher trans a passar pela cirurgia de feminização da voz no Norte e Nordeste, também chamada glotoplastia. “Sentir o que eu senti é algo mágico. Estou nascendo novamente”, comemora.

Um dia após ser liberada de seu silêncio, Abby teve outras surpresas. “Ninguém me tratou mais pelo masculino por causa da voz. Era automático. Começavam pelo feminino o tratamento comigo por conta de minha aparência. Quando eu falava, a leitura mudava para o masculino. Isso acabou. É maravilhoso.”

A voz é um dos principais fatores para a percepção de gênero. Não ter uma voz compatível é sinônimo de sofrimento para as pessoas trans. O médico otorrinolaringologista Bruno Moraes, do HC, explica que a corda vocal masculina é mais volumosa e vibra numa frequência média de 110 Hz, o que representa uma voz grave. Já a corda vocal feminina é mais delgada e vibra em uma frequência média de 200 Hz, ocasionando uma voz mais aguda.

“A fonoterapia é a primeira estratégia no processo de feminização vocal. No entanto, nem toda mulher transgênero alcança resultado vocal satisfatório. Por isso, a fonocirurgia apresenta-se como opção terapêutica. Uma das técnicas cirúrgicas mais eficazes para feminização da voz é a glotoplastia, cujo princípio da cirurgia é a diminuição da área vibratória das pregas vocais”, explica o médico. Segundo Moraes, o resultado é um aumento de aproximadamente nove semitons na frequência fundamental, com valor pós-operatório a longo prazo em torno de 200Hz.

A recuperação de Abby deve durar em torno de seis meses. Nos primeiros quinze dias, ela não podia comer alimentos quentes e ingeriu muitos remédios. Mas, segundo os médicos, a resposta dela à cirurgia está boa. No Brasil, essa cirurgia somente foi feita em São Paulo, em instituição de ensino credenciada pelo governo federal, através da política de saúde para pessoas transgêneros. A intervenção dura menos de duas horas.

Corda vocal
  • A frequência de emissão da voz é um dos principais fatores para percepção do gênero
  • A prega vocal (ou corda vocal) masculina é mais volumosa. traduzindo-se numa voz grave
  • A prega vocal feminina é mais delgada, promovendo uma voz mais aguda
  • Fonoterapia é a primeira estratégia no processo de feminização vocal.
Uma das técnicas cirúrgicas mais eficazes para feminização da voz é a glotoplastia. O princípio da cirurgia é a diminuição da área vibratória das pregas vocais:
  • 1º passo: retirada da camada superficial das pregas vocais
  • 2º passo: fixação de fios nas pregas vocais
  • 3º passo: aproximação do terço anterior das pregas vocais
  • O resultado é um aumento de aproximadamente nove semitons na frequência fundamental, com valor pós-operatório a longo prazo em torno de 200Hz
Fonte: Bruno Moraes – médico otorrinolaringologista